CAFEICULTURA NO ESPÍRITO SANTO

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O CAFÉ EM TERRAS CAPIXABAS:

COMO O ESPÍRITO SANTO TORNOU-SE UMA POTÊNCIA NA PRODUÇÃO CAFEEIRA?

Brasil, meados do século XIX. Nessa época, o Espírito Santo começou a se tornar referência nacional na produção dessa que é uma das bebidas mais populares no mundo e das manhãs dos brasileiros: o café. Quando o assunto é a produção desse grão, o estado tem uma longa trajetória, iniciada nas suas terras ao sul. Nos eventos 

, você pode notar que, ainda no século XIX, a produção de açúcar entrou em declínio no Brasil, dando lugar à expansão cafeeira. Toda a estrutura produtiva canavieira, baseada na monocultura e no trabalho de mão de obra escravizada, foi reproduzida em cafezais espalhados por todo o país. Só para se ter uma ideia, segundo uma pesquisa apresentada no VI Congresso Internacional Ufes/Université Paris-Est Marne-la-Vallée, apenas no ano de 1874 cada negro escravizado no Espírito Santo era responsável por 1.390 pés de café, em média. Ao final dos anos 1800, só os escravizados do Sul capixaba cuidavam de 4 mil pés de café, tornando o estado responsável por cerca de 5% de toda a produção de café da região Sudeste. 

Ainda no ano de 1850, já era notável a importância dessa nova produção na economia capixaba, revertida em benefícios para a urbanização do Espírito Santo, como é destacado no evento 

Naquele momento, a expansão cafeeira foi responsável por inúmeras mudanças, contribuindo para o surgimento de estradas de rodagem, navegação interprovincial e ferrovias, e intensificando as atividades do Porto de Vitória. No advento da imigração europeia durante a segunda metade do século XIX, o principal tipo de café cultivado no estado era o café Arábica (Coffea arabica). Mais de 500 mil hectares de terra foram ocupados por essa produção, evidenciando a sua relevância na época.

Já no século XX (entre as décadas de 1930 e 1960), tanto o Espírito Santo quanto o restante do país foram economicamente fragilizados em função das crises na cafeicultura brasileira. Tais eventos sucederam a queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, ocorrida com o enfraquecimento da economia de diversos países europeus após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Até então, os Estados Unidos eram os maiores compradores de café brasileiro. Quando os estadunidenses entraram em recessão econômica, a importação do café diminuiu vertiginosamente, culminando na perda de valor do produto. Para evitar uma onda de desvalorização excessiva, a solução encontrada pelo Governo brasileiro foi comprar toneladas de café para, posteriormente, queimá-las. 

O início da década de 1960 do século XX presenciou a popularização de outro tipo de café no Espírito Santo: o Coffea canephora, também conhecido como café Conilon. As primeiras sementes foram plantadas no município de Cachoeiro de Itapemirim, ao sul do estado. Contudo, a implantação desse novo grão enfrentava resistência de cafeicultores acostumados à tradição de cultivarem o tipo Arábica e abundantemente subsidiados pelo Instituto Brasileito do Café (IBC), uma autarquia vinculada ao Poder Federal e ao antigo Ministério da Indústria e Comércio. O receio dos produtores que cultivavam o Arábica era de que as lavouras de Conilon substituíssem os cafés mais finos, já que os custos de sua produção eram menores e elevariam assim a sua produtividade. Mesmo assim, alguns agricultores iniciaram lavouras de Conilon, ainda que sem o incentivo financeiro do Poder Público, pressionado à época por diversas mobilizações dos produtores. 

Um outro fato relevante ocorreu por volta de 1962, quando o Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura (Gerca) elaborou um programa para erradicação dos cafezais situados em regiões brasileiras que apresentavam baixa produtividade e eram consideradas antieconômicas. A ideia, vista com bons olhos no início, não teve bons resultados após sua implementação, gerando forte desemprego no setor agrícola. No Espírito Santo, essa política de erradicação levou o estado a uma profunda crise econômica e social: o desemprego no setor agrícola provocou um forte movimento de êxodo rural, como também pode ser observado no evento 

Diante disso, a solução encontrada pelo Governo capixaba e empresários cafeicultores da época foi pressionar ainda mais os órgãos federais. Foi feito então um acordo entre o Governo Estadual e o IBC que passou a definir as políticas agrícolas e garantiu o repasse de recursos para auxiliar a atividade econômica no estado. O foco na industrialização e na variedade da indústria cafeeira só chegou efetivamente em 1969, com a implementação dos incentivos fiscais vinculados ao Governo Estadual. 

A influência da produção cafeeira no Espírito Santo atravessou os séculos e se mantém até hoje. Atualmente, o café é a principal atividade agrícola do estado. Para ter uma noção, se o Espírito Santo fosse um país, seria o 3º maior produtor de café do mundo! Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 o estado foi o maior produtor de café Conilon do Brasil (com participação de 66,3% do total) e o segundo maior produtor de café do país (25% do total), ficando atrás apenas de Minas Gerais. Além disso, estima-se que toda safra tenha sido responsável por empregar cerca de 350 mil pessoas. 

OS IMPACTOS DA PRODUÇÃO CAFEEIRA NOS SETORES ECONÔMICO E TURÍSTICO DO ESPÍRITO SANTO

Como vimos, o café capixaba não movimenta apenas a economia interna: 60% do café Arábica e 10% do café Conilon produzidos no Espírito Santo são destinados à exportação. Os outros 40% e 90%, respectivamente, são direcionados ao mercado interno. Dentre os países importadores, estão Estados Unidos, Eslovênia, Alemanha, países do Mediterrâneo e Argentina. Internamente, a influência do café potencializa o turismo e a tecnologia produzidos em solo capixaba. 

No turismo, seus impactos podem ser observados no Sul do estado, como na Rota dos Vales e do Café, que consiste num circuito de três percursos distintos (Beleza, Turismo de Negócios e Mochileiros) que atravessam os municípios de Muqui, Vargem Alta, Cachoeiro de Itapemirim, Mimoso do Sul e Marataízes.

Ao longo desse circuito é possível observar construções históricas originárias do período colonial, época em que o café era a base econômica da região - as belezas naturais são inúmeras e o passeio ainda é incrementado com as tradições culturais dos imigrantes libaneses, italianos e portugueses, que ocupam a região desde o século XIX. Muqui, por exemplo, concentra boa parte da história da indústria cafeeira, com mais de 200 imóveis tombados com arquitetura do século XX. Já em Mimoso do Sul, os visitantes podem encontrar as históricas fazendas do chamado Ciclo do Café. Em suma, esse passeio turístico pode ser a chance de conhecer as cidades capixabas e, de quebra, experimentar cafés de diferentes sabores e modos de preparo.

Outro setor bastante estimulado pela economia cafeeira é o de inovação e tecnologia. Muitas lavouras já contam com maquinários que auxiliam na produção, desde o plantio até a fase de pós-colheita, otimizando a atividade cafeicultora e movimentando a economia. Essa transformação é sinônimo de mais produtividade a menor custo. Além disso, irrigação automatizada, medição da fertilidade do solo e consultoria técnica também são alguns recursos adotados por muitas lavouras. O desenvolvimento do setor a partir da cultura cafeicultora tem, nos últimos anos, possibilitado a abertura de empresas e startups especializadas em cafés assinados e diferenciados, comercializados direto dos produtores. Uma bebida produzida no Espírito Santo e que ilustra bem essas mudanças é o café de jacu, produzido a partir das fezes de uma ave tradicional da região serrana do estado: o jacuguaçu.

 O CAFÉ DO JACU: 

A MAIS VALIOSA BEBIDA CAPIXABA

A Fazenda Camocim é uma propriedade localizada em Pedra Azul, distrito do município de Domingos Martins, no Espírito Santo. Esse local é conhecido por ser o primeiro produtor do café do jacu no Brasil e recebe visitantes de sexta a domingo. Apesar dessa bebida ser um tipo mais raro, é possível saborear uma dose da iguaria em algumas cafeterias espalhadas pelo estado. A título de curiosidade, pesquisamos o preço do quilo do café de jacu e descobrimos que custa, em média, R$700. Isso dá a ele o título de mais caro café capixaba! Mas o que em seu processo de produção justifica tal preço? Para compreendermos isso, vamos conhecer o jacuguaçu, a ave que provê a matéria-prima para a produção dessa valiosa bebida.

Popularmente conhecido como jacu, o jacuguaçu (Penelope obscura) é uma ave ameaçada de extinção que está presente em regiões da Mata Atlântica brasileira e que também pode ser encontrada na Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. O jacuguaçu é uma espécie típica de regiões de alta altitude, que por sua vez são ambientes aptos para o plantio do café Arábica. É a partir desse animal e de seu processo de digestão que é produzido o famoso café de jacu.

O jacuguaçu é uma ave frugívora, ou seja, que tem uma alimentação composta principalmente de frutos. A digestão desses animais absorve todas as demais partes dos frutos, com exceção das sementes, eliminadas intactas por defecação ou regurgitação. Das fezes dos jacuguaçus são coletados os grãos do café mais caro do Espírito Santo! E o processo digestivo dessas aves é a origem do segredo da iguaria, já que as sementes do café são fermentadas no interior dos jacus. Assim que são expelidas, as sementes são coletadas e lavadas, até restarem os grãos limpos, prontos para serem torrados.

Quem relata um pouco de como se dá essa produção é Henrique Sloper, idealizador do café de jacu e dono da Fazenda Camocim. Segundo Sloper, para que a bebida seja produzida, é necessário a prática de uma agricultura sustentável, baseada no conceito de agrofloresta. O grão colhido então passa por algumas etapas até ser comercializado: seleção, desinfecção, congelamento para atividade microbiótica, dentre outras fases que culminam no embalamento do café. A localidade onde a Fazenda Camocim está situada - um vale isolado cercado pela mata - também favorece a prática agrícola sustentável, possibilitando que os jacus retornem e vivam tanto nos arredores quanto na propriedade. Henrique Sloper também conta que, para que a produção do café seja possível nesse modo sustentável e viável economicamente, é preciso que haja uma grande lavoura com abundância de café. Toda essa estrutura e quantidade justificam o tempo e o trabalho empenhado, já que a colheita é feita manualmente.

Com uma produção média de 3 a 4 toneladas anualmente, o café de jacu é exportado para países tais como: Japão, França, Paris, China, Inglaterra, Áustria, Alemanha, Rússia, entre outros. Além de todos esses aspectos, o trabalho realizado na fazenda também gera aprendizado sobre os jacus. A presença dos jacuguaçus na região tem possibilitado a compreensão dos hábitos de vida da espécie parente de uma outra ave que também ocorre no Espírito Santo, e que, hoje, compõe a coleção de vertebrados do Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (Muses): a jacupemba. Você já ouviu falar desse animal?

A JACUPEMBA, A AVE DISPERSORA DO MUSES

Atualmente, uma das peças do acervo histórico-científico do Muses é a jacupemba, uma ave que é parente próxima do jacuguaçu. A jacupemba (Penelope superciliaris) - também conhecida como jacupema e jacu-velho -, pertence à família Cracidae assim como o jacuguaçu e é uma ave frugívora, típica do continente americano. Diferente do jacuguaçu, a jacupemba ocupa regiões de baixa altitude e florestas tropicais. Não há dados mapeados que apontem o motivo dessas aves se dividirem em duas regiões tão distintas - é muito provável que tal distribuição tenha relação com a disputa de território por alimentação.

Num comportamento parecido ao dos jacuguaçus e das antas-brasileiras (em destaque no evento 

), as jacupembas são importantes dispersoras de sementes. Por apresentarem grande porte, essas aves têm uma alta demanda energética e, em consequência, comem bastante - logo, dispersam muitas sementes no ambiente. Tal processo auxilia na manutenção ecológica das regiões onde vivem. 

A jacupemba do Muses faz parte da coleção de vertebrados do museu. Assim como as demais peças dessa coleção, a ave chegou à instituição por meio de uma doação. O animal, que provavelmente morreu atropelado, passou pelo processo de taxidermização, visando a preservação de sua estrutura física para pesquisa e exibição ao público. Hoje, a coleta de animais mortos para estudos relacionados à história natural só é possível com a parceria de alguns projetos que realizam esse trabalho. Um deles é o Projeto É o Bicho, realizado pela Concessionária Rodosol, que você pode conhecer em 

 

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Published in 23/07/2021

Updated in 25/09/2021

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