PADRE JOSÉ DE ANCHIETA NO ESPÍRITO SANTO

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O ESPÍRITO SANTO E O PRIMEIRO ROTEIRO CRISTÃO DAS AMÉRICAS

É inegável que a chegada do Sars-CoV-2 (também conhecido na forma abreviada de Covid-19 ou novo coronavírus, como você pode observar no evento 

) ao Brasil em fevereiro de 2020 causou diversos impactos em contextos sociais, científicos, políticos e econômicos. Devido às medidas de segurança implementadas pela crise sanitária, diversas festividades e eventos importantes do país e do estado do Espírito Santo deixaram de acontecer ou foram adiados. Exemplo disso é a realização do tradicional roteiro que reconstitui o percurso feito por anos pelo padre jesuíta e missionário José de Anchieta (1534-1597) pelo litoral sul capixaba.

O percurso do projeto Passos de Anchieta é o primeiro roteiro cristão das Américas e o quarto a existir no mundo, junto com os caminhos de Santiago de Compostela (Espanha), a Trilha de Jesus (Jerusalém) e a de Roma (Itália). Os Passos de Anchieta reproduzem o mesmo trajeto que o Padre Anchieta realizava duas vezes por mês, entre Vitória e Reritiba (hoje Anchieta). José de Anchieta era, à época, diretor do Colégio São Tiago, instituição de ensino voltada para a formação de clérigos (padres) que, anos mais tarde, deu lugar ao Palácio Anchieta, atual Sede do Governo capixaba. 

Realizado anualmente desde 1998 pela Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta (Abapa), o trajeto costuma ser iniciado no feriado de Corpus Christi (junho) e dura quatro dias. Além disso, compreende uma distância de cerca de 100km, percorrida em jornadas diárias de aproximadamente 25km. Atualmente, é organizada da seguinte forma:

  • 1º dia: de Vitória até Barra do Jucu, em Vila Velha – 25km;
  • 2º dia: de Barra do Jucu até Setiba, em Guarapari – 28km;
  • 3º dia: de Setiba até Meaípe, em Guarapari – 24km;
  • 4º dia: de Meaípe até Anchieta, na Igreja Matriz do município – 23km.

O percurso é feito a pé, em sua maioria por fiéis católicos que atravessam regiões urbanas e praias praticamente desertas do litoral capixaba. Estes trechos de praia inclusive são os mais cansativos, já que a caminhada é feita por longas faixas de areia. Apesar disso, o terceiro dia do percurso dá ao andarilho a recompensa da vista das praias da Aldeia e Três Praias, localizadas em Guarapari, uma das cidades fundadas pelo Padre Anchieta, também envolvido na fundação das cidades de Anchieta, São Paulo e Rio de Janeiro.

José de Anchieta é conhecido como o “Apóstolo do Brasil”, ocupando lugar de protagonismo na introdução do cristianismo nas terras recém-colonizadas pelos portugueses. Mas, quem foi esse espanhol que, em 2014, foi canonizado e se tornou um santo católico? No Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (Muses) há o esqueleto de um caranguejo descrito por Anchieta em sua passagem por terras capixabas - e é essa peça que nos ajuda a contar a história desse padre. 

JOSÉ DE ANCHIETA E A CHEGADA DOS JESUÍTAS AO BRASIL

São José de Anchieta foi um padre jesuíta nascido na Ilha de Tenerife, arquipélago das Canárias, Espanha, em 19 de março de 1534. Filho de João Lopez de Anchieta e de Mência Diaz de Clavijo y Llarena, Anchieta foi batizado em 7 de abril de 1534 na Paróquia de Nossa Senhora do Remédios, atual Catedral de San Cristóbal de La Laguna. Estudou filosofia na Universidade de Coimbra e foi noviço da Companhia de Jesus em 1551. A pedido do padre Manuel de Nóbrega (1517-1570), chefe da primeira missão jesuítica à América, José de Anchieta veio às terras tupiniquins como evangelizador em 1553, com pouco menos de 20 anos. Ficando inicialmente na cidade de Salvador, três meses depois partiu em direção à Capitania de São Vicente, local onde permaneceu por 12 anos.

Como você pode constatar nos eventos 

, a chegada dos missionários da Companhia de Jesus ao Brasil em 1549 representou uma das tentativas de controlar as populações originárias que já viviam por essas terras antes mesmo da invasão portuguesa. A presença jesuítica por aqui se deu com a função de impor uma educação em moldes europeus, catequizando e convertendo os índios ao catolicismo. 

Apesar de cumprir sua missão como evangelizador, José de Anchieta também era contrário à escravização da população originária. Em visita à Confederação dos Tamoios (revolta liderada pela nação indígena Tupinambá contra os colonizadores portugueses entre 1554 e 1567), no ano de 1563, Anchieta intermediou as negociações entre os índios e os invasores. Na ocasião, o jesuíta serviu até mesmo de refém dos nativos como forma de assegurar o retorno de Cunhambebe, famoso chefe tupinambá, que acompanhou o padre Manuel de Nóbrega até a Capitania de São Vicente para finalizar as negociações com os portugueses.

Você pode notar em 

que, mais tarde, o sequestro de negros africanos e início do tráfico transatlântico teve como objetivo suprir a lacuna deixada pelos nativos, menos submissos à condição subalterna da escravidão. Antes disso acontecer, a escravização de povos indígenas chegou a ser proibida em 1570, por meio da Carta Régia que instituiu a “Guerra Justa” e a “servidão voluntária”. Contudo, como infelizmente não havia fiscalização e nem o interesse no cumprimento dessa Lei, as populações originárias seguiram sofrendo com o uso forçado de sua mão de obra até fins do século XVII. 

Enquanto os colonos insistiam na escravização dos indígenas, os padres jesuítas se aproximavam dos nativos com objetivos de conversão religiosa. José de Anchieta, por exemplo, fez uso de suas habilidades literárias no ensino do cristianismo. Durante o período em que esteve no Sertão brasileiro, o missionário aprendeu a língua tupi-guarani, publicando posteriormente o primeiro dicionário do idioma em Coimbra, Portugal, em 1595. Além do dicionário tupi, Anchieta escreveu muitos outros textos de cunho pedagógico, visando a catequização: poemas, hinos, canções, autos e cartas. Outros de seus escritos eram relacionados à botânica e à fauna silvestres encontradas nas novas terras. 

OS ESCRITOS SOBRE BIOLOGIA DE JOSÉ DE ANCHIETA 

E O CARANGUEJO-FANTASMA DO MUSES

“Descrição das coisas naturais da Capitania de São Vicente. - Divisão das partes do ano. - Tempestades. - Disputa com um feiticeiro. - Enchentes dos rios. - Saída dos peixes. - Boi marinho. - Narração de uma tempestade no mar. - Entrada dos peixes. - Sucuriuba. - Jacaré. - Capivara. - Lontras. - Caranguejos. - Modo indígena de curar o cancro. - Jararaca, cascavel, coral e outras serpentes. - Piolho de cobra. - Aranhas. - Taturanas. - Panteras. - Tamanduá. - Anta. - Preguiça. - Gambá. - Ouriços. - Macacos. - Tatu. - Veados. - Gatos monteses, gamos e javalis. - Lhama do Perú. - Bicho da taquara. - Formigas. - Abelhas. - Moscas e mosquitos. - Papagaios, beija-flores e outros pássaros. - Guará e outras aves marinhas. - Aves de rapina. - Anhima. - Galinhas silvestres. - Mandioca e ‘Yeticopê’. - Ervaviva. - Árvores medicinais. - Pinheiros. - Raízes medicinais. - Pedra elástica. - Conchas e pérolas. - Espectros noturnos ou demônios. - Raras deformidades entre os Brasis. - Criança monstruosa. - Um porco hermafrodita.”

Acima temos uma espécie de índice escrito por José de Anchieta para uma de suas obras mais famosas, a Carta de São Vicente, de 1560. Endereçada ao Padre Geral de São Vicente, a carta descreve de forma detalhada aspectos e elementos da Mata Atlântica na época da ocupação das terras pelos portugueses. Hoje, algumas das espécies mencionadas por Anchieta encontram-se ameaçadas de extinção, tais como a lontra, anta e o tamanduá, que inclusive foi extinto do Espírito Santo. Outra espécie observada pelo missionário e que também ocupa uma posição preocupante dentre os mais ameaçados de extinção em terras capixabas é o caranguejo. Ao longo do seu trajeto entre Reritiba e Vitória, José de Anchieta passava pelas praias do Sul do estado, onde caranguejos de diversas espécies se distribuíam. 

Atualmente, estes animais estão espalhados em manguezais (Uca victoriana, U. vocator, U. rapax, U. cumulanta, U. leptodactyla, U. burgersi, Goniopsis cruentataAratus pisonii, Ucides cordatus, Eurytium limosum, Callinectes sapidus e C. danae), ambientes marinhos (Hepatus pudibundus, Callinectes ornatus, C. danae, Persephona punctata, Persephona lichtensteinii, Libinia ferreirae e L. spinosa) e costões rochosos (Pachygrapsus transversus, Epialtus brasiliensis, Microphrys bicornutus, Eriphia gonagra e Menippe nodifrons). Assim como o ermitão que você pode conhecer no evento 

, algumas dessas espécies fazem parte da coleção do Muses. Tais peças foram coletadas para pesquisas científicas ligadas ao projeto de pesquisa Decápodos estuarinos como possíveis bioindicadores de poluição de metais pesados no estuário do rio Benevente da região Sul do ES, do Departamento de Ciências Biológicas, localizado no Campus de Alegre da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). 

Uma outra espécie coletada em pesquisas e presente no acervo histórico-científico da instituição é o Ocypode quadrata, melhor conhecido como caranguejo-fantasma ou maria-farinha. Este crustáceo, que pode ser localizado em toda a extensão do litoral brasileiro até os Estados Unidos, costuma viver em tocas construídas nas praias, que podem atingir mais de 1m de profundidade. Além disso, apresentam uma carapaça quadrada e de coloração branco-amarelada, que favorece a sua camuflagem.

Apesar de viverem em terra firme, os indivíduos dessa espécie respiram por brânquias, necessitando de água para funcionar bem. Outro ponto acerca dos caranguejos-fantasma é que, por meio do estalo de suas garras e da estridulação de suas patas, a espécie produz diversos sons. Esse crustáceo também é conhecido pelo comportamento agressivo e, quando interage com outros animais ou com humanos, ergue o corpo e levanta a garra para se proteger de quaisquer ameaças. 

O LEGADO DE PADRE ANCHIETA NO ESPÍRITO SANTO

Anchieta é um município turístico graças ao seu carnaval, que é considerado um dos maiores do estado, e às suas famosas praias, tais como Ubu, Castelhanos e Iriri. A cidade carrega o nome do célebre missionário espanhol que veio ao Brasil com a Companhia de Jesus em 1553 e que fundou a vila em 1561. Naquela época, o vilarejo chamava-se Reritiba e, posteriormente, Iriritiba (de onde supõe-se ser a origem do nome da Praia de Iriri). O local só foi renomeado como Anchieta em agosto de 1887, após ser elevada à condição de cidade.

Foi no Vilarejo de Reritiba que José de Anchieta escolheu viver seus últimos anos de vida. Além de atuar como Provincial da Companhia de Jesus no Brasil até 1587, também dirigiu o Colégio dos Jesuítas (ou Colégio de São Tiago) em Vitória por 8 anos. Faleceu em 1597, sendo sepultado na capital capixaba que, na época, era o núcleo da colônia portuguesa no Espírito Santo.

Como pode ser observado, os atos de Padre Anchieta fizeram e ainda fazem parte da história capixaba. A cidade que leva seu nome hoje conta com pouco mais de 28 mil habitantes e uma área de aproximadamente 412 mil quilômetros quadrados. Ao longo de sua história, seu território também abarcou os municípios vizinhos de Piúma, Alfredo Chaves e Iconha. Tal organização foi desfeita após o impulso econômico em Anchieta com a chegada de imigrantes italianos ao final do século XIX. 

Atualmente, boa parte da economia do município advém da agricultura familiar, com destaque para o cultivo de banana, mandioca, arroz, milho, café, e feijão; além da pecuária, com a produção de leite e de gado de corte. A pesca também tem parte significativa na economia do município, sendo realizada em alto-mar, na região de Abrolhos.

Ainda assim, a maior parte da receita de Anchieta está relacionada à atividade mineradora. Como pode ser observado no evento 

, a Samarco Mineração é uma das empresas de mineração situadas na região. Essa companhia é associada a outra mineradora, a Vale, que repassa ao município um valor referente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, de forma semelhante aos royalties de petróleo que podem ser vistos em 

Após o rompimento da barragem de rejeitos no município de Mariana (MG) em 2015 e a suspensão das atividades de extração por quase um ano, esse repasse teve uma queda significativa de mais de 4,5 milhões para cerca de 700 mil reais, impactando diretamente no Produto Interno Bruto (PIB) de Anchieta em 2016. 

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Published in 22/07/2021

Updated in 25/09/2021

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