POVOS ORIGINÁRIOS DO BRASIL E DO ESPÍRITO SANTO

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AS LENDAS DOS POVOS ORIGINÁRIOS E O URUTAU

Caipora, Curupira (do tupi kuru’pir), Iara (do tupi, y-îara), Jaci e a Vitória-régia, Boitatá: esses são alguns dos mais populares personagens do folclore brasileiro. Muitas das crenças folclóricas são herança dos povos originários do Brasil. São lendas e histórias misteriosas contadas de geração para geração que chegam aos dias de hoje, mesmo as não tão populares como a do Urutau. 

Em tupi “urutau” significa “ave fantasma”. Esse nome é baseado em lendas antigas de povos originários da Amazônia brasileira, que associam ao comportamento noturno da ave um certo misticismo. O urutau, quando camuflado, fica ereto e com a cabeça estendida em direção ao céu. Nessa posição, a ave emite um canto muito melodioso, dando a entender que está olhando e cantando para a lua. É por meio desse canto que as pessoas acabam localizando a ave mesmo camuflada. É por essas e outras características que tais aves também são conhecidas como Mãe-da-lua e Emenda toco

Outra crendice relacionada ao urutau é a de que suas penas da cauda protegem a castidade. Essa “proteção” se daria ao se varrer embaixo das redes das meninas, utilizando uma vassoura feita com penas da ave. Outra lenda de origem boliviana conta ainda que a ave é, na realidade, uma índia transformada no urutau e que toda noite chora melancolicamente lamentando a morte do seu amado. Todo esse cenário trágico teria se formado porque o pai da menina e cacique da tribo teria descoberto o romance dela com um jovem guerreiro e, por ciúmes, havia matado o menino. Ao descobrir sobre o trágico destino dado ao seu amado, a índia teria ameaçado o pai, dizendo que revelaria tudo à aldeia. Para não ser descoberto, o cacique então teria usado sua magia para transformar a filha em ave.

Há ainda outra lenda indígena que conta que a ave era um bebê abandonado pela mãe numa floresta, numa tentativa de salvá-lo de uma peste avassaladora. Por essa razão, o bebê se transformou numa ave que cantava todas as noites lamentando por sua progenitora. Essa história, de origem peruana, nomeia a ave de “Ayaymama”, pois o canto emitido pelo Nyctibius griseus é semelhante ao som de uma criança exclamando “ai, ai, mama!”.

Vimos que as crenças indígenas estão sempre muito ligadas com a natureza e a fauna das florestas. Essas histórias - muitas vezes passadas de gerações em gerações pela oralidade - constituem registros histórico-culturais de povos que, no passado, viviam em comunhão com a terra e o meio ambiente. 

MÃE-DA-LUA: O URUTAU DO MUSES

O urutau é uma ave pertencente à família Nyctibiidae, encontrada em regiões mais quentes do continente americano. Esse grupo de animais é composto por sete espécies do gênero Nyctibius e cinco delas ocorrem no Brasil. As mais amplamente distribuídas pelo país são as Nyctibius grandis e Nyctibius griseus, presentes desde o Sul da América Central e em partes da América do Sul. Comumente habitam áreas de floresta tropical e demais florestas secas, tais como cerrados, savanas, manguezais e vegetações secundárias altas (áreas parcialmente perturbadas, que já passaram por algum tipo de corte raso, queimada ou uso para agricultura ou pastagem). Apesar disso, a presença do urutau não é muito abundante. No Brasil, por exemplo, ele encontra uma ampla distribuição nas regiões do Cerrado, Pantanal e nas bordas fronteiriças das florestas.

Considerados pequenos em relação às outras espécies da classe das aves, os urutaus são caracterizados pelos corpos robustos e musculosos, apresentando longas caudas e asas. Em média, essas aves podem chegar a 38cm de comprimento, pesando entre 145 a 202g. Além disso, também são notáveis na habilidade de se camuflar, já que sua coloração é semelhante a de troncos de árvores, locais onde costumam pousar. Isso junto ao fato de ficarem estáticos quando parados contribui para que os urutaus passem despercebidos mesmo à luz do dia! É por essas razões que é uma ave difícil de ser vista.

Mas se engana quem pensa que, por permanecerem imóveis por tanto tempo, eles não observam o que acontece ao redor. Uma das adaptações corporais mais impressionantes dos urutaus é a presença de uma fenda na pálpebra que permite enxergar mesmo que estejam fechadas! Insetívoras, ou seja, que se alimentam de insetos, essas aves são muito importantes para o equilíbrio ecológico. Como o grupo dos insetos é muito abundante, os urutaus mantêm o controle sobre determinadas espécies. Assim, eles impedem que esses pequenos animais não se sobreponham de forma excessiva sobre as demais, mantendo assim a dinâmica do ambiente.

O urutau é uma espécie contemporânea aos animais da megafauna, tais como as preguiças-gigantes e as antas, que podem ser conhecidas no evento 

No Brasil, seus registros fósseis mais antigos datam do Pleistoceno e foram encontrados no município de Lagoa Santa, em Minas Gerais. 

Segundo o Wikiaves, uma comunidade online de observadores de pássaros no Brasil, no Espírito Santo já foram feitos 222 registros fotográficos do urutau. Tais dados não são referentes à quantidade da ave no estado e correspondem apenas aos exemplares das fotos. No Muses é possível observar o urutau bem de perto e em seu tamanho original, já que é uma das peças taxidermizadas da coleção de vertebrados da instituição. 

O exemplar é fruto de uma doação feita pelo Projeto É o Bicho, uma iniciativa da RodoSol, concessionária que administra a ES-060, rodovia que corta municípios do litoral Sul do Espírito Santo. Provavelmente o animal foi vítima de um atropelamento nessa via de grande circulação de carros e caminhões também conhecida como Rodovia do Sol e que atravessa cinco unidades de conservação: o Parque Estadual Paulo César Vinha, as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) de Setiba e da Lagoa Grande, o Parque Municipal de Jacarenema e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Concha D’Ostra. 

Ativo desde 2000, o Projeto É o Bicho atua em quatro frentes: monitoramento de fauna silvestre morta por atropelamento; resgate de fauna debilitada da ES-060 (Rodovia do Sol); educação e comunicação ambiental; e monitoramento dos sistemas de comunicação destinados à passagem de fauna. Por meio desse primeiro subprograma é feita a catalogação e o armazenamento dos animais silvestres mortos. Em seguida, as carcaças são doadas para instituições que visam estudar esses animais, como o Muses

Por serem aves que possuem hábitos noturnos (tais quais as corujas que podem ser observadas no evento 

), os urutaus são difíceis de serem vistos. No período de reprodução, por exemplo, esses animais saem apenas à noite à procura de alimentos. As fêmeas não fazem ninhos, colocando apenas um ovo em forquilhas ou na ponta de tocos. Nestes locais, a ave choca o ovo pacientemente sob o sol dos meses de novembro e dezembro, período que os urutaus são mais encontrados. Após o nascimento do filhote, a fêmea permanece com ele até que o mesmo fique independente. Os filhotes de urutau já nascem assimilando a camuflagem e desde pequenos já aprendem a ficar paradinhos e eretos. Assim que adquirem certa autonomia, as mães os deixam, aspecto típico de espécies solitárias.

OS POVOS ORIGINÁRIOS NO BRASIL E OS DESCENDENTES DO FÓSSIL MAIS ANTIGO DAS AMÉRICAS NO ESPÍRITO SANTO

Como pode ser visto em 

, algumas pesquisas arqueológicas apontam que a presença de povos indígenas no continente americano, mais especificamente no Brasil, não foi um evento recente na História. Expedições e escavações realizadas no Espírito Santo, por exemplo, têm indicado que as datações mais antigas da presença da espécie humana em terras capixabas gira em torno de 7.500 anos, segundo o arqueólogo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Celso Perota. Para alguns historiadores, estima-se que cerca de 8 a 40 milhões de habitantes já viviam no Brasil antes mesmo da chegada dos colonizadores. 

Dentre os diferentes povos que estavam distribuídos por todo o território estavam os Guarani, Kaingang, Tupinambá, Tupi, Puri, Tamoya, Charrua, Kayapó, Timbira, Cariri etc. Essa diversidade também se refletia na região que hoje corresponde ao estado do Espírito Santo. Várias tribos indígenas nômades e seminômades ocuparam faixas de terra litorâneas entre Camamu (BA) e o rio Cricaré (localizado no município capixaba de São Mateus), como os Tupiniquins; e as regiões de vale dos rios Cricaré e Doce, tais como Tupinambás, Pataxós, Maxacalis e Kaingang.

Em 

, você pode observar que análises realizadas em Luzia, o fóssil humano mais antigo já detectado nas Américas, indicam uma proximidade genética entre a peça e indivíduos ligados à linhagem Macro-jê, a qual pertencem os Kaingang. Popularmente conhecidos como “botocudos”, este grupo desempenhou papel central na resistência contra a invasão portuguesa, iniciada no ano de 1500. Diferentemente de comunidades indígenas que ocupavam as regiões mais próximas à Serra do Caparaó, ao sul do Espírito Santo, os Kaingang eram tidos como hostis e agressivos pelos colonizadores. Ocupando a região costeira, esse grupo indígena também era conhecido pelas habilidades em combate e prática antropofágica. Você tem alguma ideia do que isso significa? Nós explicamos: a antropofagia é popularmente reduzida a práticas canibais, de comer carne humana.

Contudo, para alguns povos originários, essa prática estava relacionada a uma ritualística de respeito, de troca e integração com a natureza. Se, após um conflito, os guerreiros mais fortes de determinada tribo fossem capturados pelo grupo rival, fazia-se a ingestão de partes de seus corpos, de modo que essa ingestão transmitisse toda a vitalidade e a força do guerreiro para a tribo vencedora da disputa.

Por muito tempo e por toda a extensão territorial que ocupavam, os povos originários resistiram à colonização portuguesa no século XVI, como pode ser notado no evento 

Naquele momento, essa resistência gerou imediatas e severas punições aos indígenas: guerras, destruição de aldeias e ecossistemas, dizimação de povos inteiros e escravidão foram algumas delas. Além disso, também houve em acréscimo a chegada da Companhia de Jesus e dos jesuítas ao Brasil em 1549, o que representou uma tentativa de suprimir hábitos e práticas religiosas dos grupos indígenas por meio da catequização e educação sob parâmetros católicos e europeus, como destaca o evento 

Tais ações, que perduraram por muitos anos, culminaram na redução drástica dessas comunidades. 

Sabe-se que alguns aspectos culturais desses povos sobrevivem até hoje, constituindo uma das bases fundamentais da sociedade brasileira. Muito do que conhecemos - fatos, mitos e lendas, alimentos, bases medicinais e farmacêuticas - deve-se ao conhecimento desses antepassados. Contudo, os povos originários remanescentes ainda tentam superar, como diz o líder indígena, ambientalista, filósofo e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Ailton Krenak (1953-), “uma ausência forçada ao qual a História [hegemônica] relegou os índios”. Como também reforça a líder indígena brasileira Sônia Bone Guajajara (1974-), “é uma guerra que a gente [povos originários] vive para ter os direitos garantidos, é a guerra que a gente enfrenta para manter a nossa cultura, é a guerra que a gente enfrenta contra os madeireiros [...] - a gente vive uma guerra constante, todos os dias, sem saber se vai amanhecer vivo ou se vai amanhecer morto”. Só para se ter uma ideia, apenas em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal, é que houve uma preocupação do Estado brasileiro com a demarcação de terras para comunidades indígenas. Ainda assim, tais garantias permanecem em contínua ameaça: em 2021, por exemplo, foi aprovado o Projeto de Lei 490/07, que restringe a demarcação de terras indígenas, impedindo a expansão dessas áreas e permitindo a exploração dessas terras por garimpeiros.

Segundo o último Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o Brasil registrava até então 817.963 índios, espalhados entre áreas urbanas e rurais. No Espírito Santo, essa parcela populacional é representada pelos Tupiniquim nas aldeias de Caieiras Velhas, Pau-Brasil e Comboios, localizadas nos municípios de Aracruz e Linhares. A escolha desse litoral deu-se provavelmente pela farta oferta de alimentos provenientes do mar e do mangue. Ainda assim, estudos apontam que esses índios chegaram a habitar a região próxima a rios, em especial dos rios Doce, Cricaré, Itapemirim, Santa Maria e Jucu.

Tais movimentos migratórios forçados pela ocupação europeia, a marginalização dos índios e o apagamento de sua cultura até os dias de hoje são eventos que deixam perguntas: onde, o que e como você aprendeu sobre os povos originários? Que lugares as populações indígenas ocupam na sociedade brasileira e nas narrativas contadas pelos livros, filmes, novelas e reportagens? A partir de quais eventos históricos você acha que o lugar onde você vive foi construído? Será que foram eventos pacíficos ou não? Respondê-las pode ser a chave para se compreender como se deu (e como se dá) a resistência indígena até hoje no Brasil.

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Published in 20/07/2021

Updated in 27/09/2021

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