INÍCIO DA IMIGRAÇÃO EUROPEIA NO ESPÍRITO SANTO

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OS IMPACTOS DA IMIGRAÇÃO EUROPEIA NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO

Como pode ser observado em 

, o Brasil do século XIX caminhava rumo à abolição da escravidão, passando por grandes mudanças na legislação que regulamentava o comércio de africanos e afrodescendentes. A criação da Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibia o tráfico humano no país, alarmou os proprietários de terra. Estes acreditavam que a medida prejudicaria a economia nacional, provocando a escassez de trabalhadores. Diante disso, segundo o pesquisador e especialista em História do Espírito Santo, Fernando Achiamé (1950-), “o Governo Imperial vai preparando uma série de medidas para suprir com mão de obra a lavoura, porque já havia um produto [comercial] novo, no Brasil e no Espírito Santo, que era o café. Não se sabe exatamente a data, mas por volta de 1825 já temos a produção de café. Essa produção cafeeira tem uma expansão tão rápida que já em 1853 ela suplanta a produção de açúcar”. 

A partir de 1888, com a promulgação da Lei Áurea, os fazendeiros precisavam de mão de obra barata para trabalharem nas lavouras e a solução que encontraram foi financiar a vinda de pessoas de diversas partes da Europa: Portugal, Itália, Prússia e Pomerânia (atuais Alemanha e Polônia, respectivamente), por exemplo. A contratação desses imigrantes era baseada num sistema de parceria na qual os fazendeiros custeavam o translado até o Brasil, fazendo com que já chegassem endividados. Em acréscimo, os imigrantes trabalhavam em pedaços de terra das fazendas, dividindo seus lucros e prejuízos com os verdadeiros donos do terreno, que ainda detinham o controle da produção. Sob tais circunstâncias, era comum que esses estrangeiros sempre se submetessem a condições de trabalho abusivas.

Diferente dos negros, que após a abolição foram relegados à margem da sociedade e não tiveram assistência do Estado brasileiro, “eles [os imigrantes] recebiam passagem para chegar até o estado, instrumentos agrícolas e terra, para exploração do café”, reforça Achiamé. Com essas condições, o Espírito Santo começou a receber imigrantes de diversas partes da Europa. A vinda para o Brasil significava uma nova vida, com mais estabilidade e oportunidades de trabalho. À época, diversos países da Europa foram impactados com a Revolução Industrial, que culminou em guerras entre as nações, além de crises políticas, econômicas e sociais. Contudo, é necessário lembrar que a “exportação” de europeus imigrados ao Brasil representou, mais tarde, um meio de justificar a implementação de medidas de controle e eugenia no país. 

De acordo com a historiadora e antropóloga social brasileira Lilia Schwarcz (1957-), a chegada de ideias eugenistas no Brasil ocorreu no início do século XX e via no controle social uma forma de desenvolver o país e “embranquecer” a população. Estudos pseudocientíficos e sociológicos publicados por intelectuais da burguesia como os médicos Vital Brazil (1865-1950) e Miguel Couto (1865-1934), o farmacêutico Renato Kehl (1889-1974) e o escritor Monteiro Lobato (1882-1948) reforçavam esses aspectos e apontavam as populações negras libertas e os imigrantes japoneses, por exemplo, como responsáveis pela disseminação de doenças e epidemias no Brasil.

A vinda de europeus a terras capixabas entre os séculos XIX e XX, em conjunto às populações indígena, portuguesa, africana e afrodescendente que já residiam no estado, contribuiu para a diversificação da cultura do Espírito Santo. Algumas cidades ainda preservam construções e tradições culturais trazidas pelos primeiros imigrantes, tais como Venda Nova do Imigrante, Santa Teresa, Domingos Martins e alguns sítios históricos de São Pedro do Itabapoana, Muqui, Santa Leopoldina e São Mateus. 

 COMO A EXPANSÃO CAFEEIRA DOS SÉCULOS XIX E XX CONTRIBUIU PARA O SURGIMENTO DOS SOROS ANTIOFÍDICOS?

          

Como pode ser visto em 

, a expansão da cafeicultura em solo capixaba criou uma grande demanda por trabalhadores que atuassem em lavouras presentes em áreas rurais. Essa mão de obra foi formada por imigrantes que vieram da Europa a partir de meados do século XIX. O trabalho na agricultura expunha-os às intempéries características deste ofício, tais como calor, sol forte e picadas de insetos e serpentes. A recorrência de acidentes ofídicos, ou seja, envenenamentos causados por serpentes, levou o médico sanitarista Vital Brazil (1865-1950) a empreender estudos que buscassem a cura dos efeitos dos venenos de cobras, o que aconteceu em 1903 após intensa pesquisa.  

Atualmente, o Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (MUSES) apresenta em seu acervo um exemplar da jiboia, fruto de coletas voltadas para pesquisas acadêmicas. Essa espécie frequente no Espírito Santo é uma serpente que compõe a subordem Ophidia

As serpentes são répteis que possuem dentição forte e musculaturas bem desenvolvidas na cabeça e no corpo. Dentre suas características mais marcantes está o crânio cinético, que permite a movimentação independente dos dois lados da mandíbula e que, na ausência de membros, auxilia na manipulação e ingestão da presa. As serpentes são majoritariamente carnívoras, com uma pequena parcela insetívora. Esses animais possuem em média de 200 a 400 vértebras, entre curtas e largas. A morfologia interna de seus órgãos segue o padrão externo do corpo, sendo alongados - o aparelho digestivo, por exemplo, é diferente dos mamíferos e consiste num tubo reto que começa na boca e segue até o anus. 

Outras adaptações permitiram às serpentes a conquista e o domínio do ambiente terrestre: a existência de uma pele espessa e recoberta por queratina, que a torna impermeável e evita a desidratação; a fecundação interna e o ovo amniótico envolto externamente por sais de cálcio com diversos gradientes de rigidez, que permite o abandono do ambiente aquático para a deposição de ovos no meio externo. Outra curiosidade interessante é que nem todas as cobras são venenosas ou são peçonhentas, ou seja, que matam por meio de seu veneno. Mas como diferenciar os dois tipos?

Dentre os animais, os venenosos são aqueles que possuem glândulas de veneno, mas que não apresentam uma estrutura adaptada para inoculá-lo, como algumas espécies de sapos e pererecas, por exemplo. Estes anfíbios possuem em seu corpo glândulas de veneno que só serão liberadas caso sua pele seja perfurada ou raspada, fazendo com que essa substância entre na corrente sanguínea do envenenado. Já os animais peçonhentos tais como algumas serpentes, além de produzirem o veneno, também possuem estruturas especializadas para a inoculação que, no caso, costumam ser os próprios dentes. Nas serpentes, essa dentição pode ser classificada em 4 tipos distintos:

  • - Dentição com 1 par de dentes móveis e inoculadores de veneno, posicionados na frente mas voltados para trás, como as existentes em espécies da família das víboras: jararacas, cascavéis e surucucus;
  • - Dentição com 1 par de dentes fixos e inoculadores de veneno, posicionados na frente, como as presentes em serpentes corais e najas;
  • - Dentição com 1 par de inoculadores de veneno fixos e localizados na parte de trás, como acontece em serpentes da família Colubridae, como as cobras-cipó;
  • - Espécies cuja arcada dentária (do tipo Áglifa) não possui nenhum dente ou estrutura especializada para a inoculação de veneno e que, portanto, não são peçonhentas, como as da família Boidae, representada pelas jiboias.

Como vimos anteriormente, o médico Vital Brazil foi responsável pelas pesquisas sobre a cura para os efeitos dos venenos das cobras. Em 1901, cerca de dois anos antes de começar a estudar estes répteis, Vital havia fundado o Instituto Butantan, localizado na cidade de São Paulo (SP), vinculado à Universidade de São Paulo (USP). À época, o litoral paulista atravessava um surto de peste bubônica e a fundação do instituto desempenhou um papel fundamental nas políticas públicas de saúde da região, marcada pela ascensão da produção cafeeira. Assim como pode ser notado no evento 

, o Instituto Butantan é atualmente um dos principais responsáveis pela produção de medicamentos e vacinas para o Brasil, tais como as da gripe, hepatites A e B, HPV (ou reinfecção pelo vírus do papiloma humano), raiva e, mais recentemente, do novo coronavírus (Covid-19).

A JIBOIA DO MUSES E OS MITOS QUE CERCAM AS SERPENTES 

Chamada de Boa constrictor pelos biólogos, a jiboia é uma serpente caracterizada pela cabeça triangular, apresentando pupilas verticais e escamas pequenas e lisas por todo o seu corpo. Ainda que a espécie não tenha a fosseta loreal, órgão que auxilia na captação dos sentidos, essa serpente possui uma cauda grossa preênsil, relativamente distinguível do resto do corpo e adaptada para segurar e criar pontos de apoio para o resto de sua estrutura física. Esses aspectos físicos das jiboias desmentem um popular mito que relaciona a presença de pupila vertical e cabeça triangular como indícios de serpentes peçonhentas. Além disso, esse réptil é vivíparo, ou seja, a gestação de seus filhotes é realizada no interior da fêmea. Aliás, você sabia que as jiboias podem gerar em média 20 filhotes por ninhada? Outro ponto sobre a espécie é o seu mecanismo de defesa, caracterizado por botes e emissão de “sibilos”, ruídos semelhantes a chiados que provêm da passagem de uma grande quantidade de ar pela traqueia.

A peça taxidermizada da jiboia do Muses chegou à instituição por meio de [INSERIR INFORMAÇÕES ADICIONAIS. Pesando cerca de [INSERIR INFORMAÇÕES ADICIONAIS], o exemplar possui quase [INSERIR INFORMAÇÕES ADICIONAIS] de comprimento. As jiboias são consideradas serpentes de grande porte, medindo em média 1,5 a 2,5m, mas podendo chegar a até 4m de comprimento! Serpentes semi-arborícolas (encontradas tanto em solo como em árvores), seus hábitos variam entre o dia e a noite. Também são animais nativos de todas as regiões do Brasil e de outros países, tais como Venezuela, Trinidad, Colômbia, Guianas, além de serem encontradas nas Américas Central e do Norte. 

A caça predatória dessas serpentes tem um grande valor comercial e econômico, seja para alimentação ou domesticação. Isso deve-se ao fato das jiboias não serem peçonhentas, além de possuírem padrões de coloração peculiares e atrativos. Por isso, possuem alto valor no mercado pet, sendo consideradas de “fácil” manuseio. Infelizmente esses aspectos também favorecem o mercado ilegal e o tráfico de animais, fazendo com que a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites) incluísse a jiboia na sua lista de animais prejudicados pela ação humana. Esse comércio tem sido dificultado nos últimos anos pelo declínio da população de jiboias e o consequente surgimento de regulações restritivas de importação e exportação. Diante disso, a alternativa encontrada tem sido os criadouros com fins comerciais e/ou científicos, legalizados de acordo com a espécie a ser estudada e as legislações federal e estadual voltadas ao assunto.

Em relação aos hábitos alimentares, as jiboias possuem uma dieta exclusivamente carnívora. Por não serem peçonhentas, matam suas presas por constrição. Isso significa que elas se enrolam em volta de sua presa, estrangulando-as até a morte. Por muito tempo acreditou-se que as presas morriam por asfixia, porém estudos recentes revelaram que a principal causa da morte se dá pelo interrupção da circulação aos órgãos vitais, impedindo a chegada de oxigênio antes mesmo da asfixia. Apesar das crenças populares sustentadas por tais hábitos, as jiboias não são capazes de engolir animais muito maiores que elas mesmas como bois inteiros ou jacarés, já que sua alimentação é basicamente composta por mamíferos, aves e anuros de pequeno porte.

Várias dessas crenças estão relacionadas a mitos e histórias populares que envolvem as serpentes: o do “bafo da jiboia ter um efeito hipnotizante sob a presa” ou o fato das “cobras mamarem nos seios de mães lactantes e colocarem a cauda na boca do bebê para que ele não chore” são algumas delas. Muitos desses mitos têm como base situações paralelas vividas por grupos populacionais que imigraram ao Brasil a partir de meados do século XIX, em busca por melhores condições de vida nas fazendas de café.

Historicamente, tanto a situação dos negros escravizados quanto a dos europeus imigrados nas lavouras era de precariedade, a ponto desses trabalhadores frequentemente passarem fome. Nessas circunstâncias, durante a ordenha de vacas nos celeiros das fazendas eles aproveitavam para tomar um pouco do leite que tiravam. Para despistar os patrões, os trabalhadores davam a desculpa de que as cobras tinham bebido leite nas tetas das vacas, já que eram animais muito comuns em celeiros e depósitos (locais que as cobras também iam para se alimentar de ratos e pequenos mamíferos). Reforçando o causo contado, algumas espécies de serpentes liberam um líquido esbranquiçado e de aspecto leitoso ao serem mortas, dando a impressão de que era o leite bebido das vacas - quando, na verdade, as serpentes nem são mamíferos para apresentarem glândulas mamárias, característica destacada no evento 

Essa é apenas uma das muitas histórias que fazem parte da cultura brasileira desde a chegada dos imigrantes ao país, mas existem várias outras: o mito da "cobra mal morta que se vinga” ou do “fumo e borra de café que curam picada de cobra venenosa”, por exemplo. Contudo, algumas delas propagam informações incorretas que acarretam na falta de atendimento médico adequado em casos de acidentes ofídicos. Em acréscimo, tais histórias e crendices populares podem piorar a relação já frágil entre seres humanos e serpentes, levando a um receio ainda maior da população com relação a esses animais, em sua maioria inofensivos.

Esse comportamento pode representar mais uma ameaça às diversas espécies de serpente. Partindo desse receio, foi fundado, em outubro de 2017, o Projeto Herpeto Capixaba. A iniciativa promove ações educativas que visam o conhecimento e a conservação dos anfíbios e répteis viventes no Espírito Santo. Dentre suas principais atividades, há o desenvolvimento de pesquisas científicas das espécies capixabas, a formação de jovens pesquisadores e, principalmente, a difusão do conhecimento por meio das redes sociais. Ademais, o projeto organiza eventos virtuais, palestras, minicursos e mesas redondas. O conteúdo é elaborado de forma que sejam criados espaços de diálogo, com o objetivo da conservação da herpetofauna capixaba.

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Published in 22/07/2021

Updated in 27/09/2021

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