AVES-DO-TERROR E O RIFTE CONTINENTAL DO SUDESTE DO BRASIL
A DESCOBERTA DOS FÓSSEIS DO MAIOR PÁSSARO PRÉ-HISTÓRICO DO BRASIL:
A AVE-DO-TERROR
Desde muito jovem, o brasileiro Herculano Alvarenga (1947-) sempre gostou de observar os pássaros, algo que se tornou um hobby. Crescendo em Taubaté, cidade do interior do estado de São Paulo, Alvarenga começou a colecionar aves, aprendendo o ofício da taxidermia, que visa o empalhamento de bichos para pesquisa e análise. Esse interesse pela biologia e anatomia levou-o a estudar Medicina e, em 1975, ele já era médico e professor na Faculdade de Medicina de sua cidade natal. Mas foi em 1977 que Herculano Alvarenga fez uma das maiores descobertas acerca da avifauna pré-histórica brasileira, quando decidiu por um acaso investigar as rochas de uma mina de argila na cidade de Tremembé, vizinha a Taubaté.
Naquele ano, a instituição na qual Herculano lecionava acabou entrando em greve, proporcionando-lhe um longo período de ociosidade. Como ele mesmo disse em entrevista à revista Época, “a paralisação foi longa. De repente, fiquei com muito tempo livre. Resolvi empregá-lo indo procurar fósseis na mina de argila”. Foi nessa expedição que, inesperadamente, o médico e cientista paleontólogo encontrou vestígios fósseis de uma ave - contudo, uma espécie diferente das que conhecemos hoje. “Aqueles ossos elegantes e compridos pertenciam claramente a uma ave. Mas uma ave com dimensões inacreditáveis.” Era um exemplar fóssil de uma ave-do-terror da espécie Paraphysornis brasiliensis, só encontrada em território brasileiro. Este animal extinto viveu no território sul-americano na era Cenozoica, ocupando o nicho deixado pelos dinossauros não-avianos, tal como pode ser visto no evento
Após o achado, Herculano Alvarenga ficou conhecido como um dos principais estudiosos de aves extintas do mundo. Além disso, também começou a difundir sua descoberta e distribuir réplicas do fóssil encontrado em Tremembé para museus de história natural do Brasil e do exterior. Inclusive uma delas compõe atualmente o acervo histórico-científico do Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (MUSES).
A AVE-DO-TERROR DO MUSES COMO REGISTRO DE EVENTOS GEOLÓGICOS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
O exemplar fóssil da ave-do-terror presente no Muses é uma réplica em resina feita a partir do fóssil localizado na Bacia de Tremembé, no estado de São Paulo. Hoje o esqueleto original é mantido no Museu de História Natural de Taubaté (MHNT), instituição referência nos estudos sobre tais espécies.
Típicas da América do Sul, essas foram aves carnívoras que viveram entre 60 e 2 milhoẽs de anos atrás, entre os períodos Paleogeno e Neogeno da era Cenozoica. Alguns pontos comuns sobre as diversas espécies já detectadas são a presença de asas atrofiadas e de uma estrutura física grande, que certamente as impedia de voar. Outra característica marcante desses animais eram os grandes bicos em formato recurvado e com bordas cortantes. Atualmente, os parentes vivos mais próximos das aves-do-terror são as seriemas, pássaros que podem medir cerca de 90cm de comprimento e chegar a pesar até 1,4kg. Assim como seus ancestrais, as seriemas apresentam um comportamento mais agressivo e agitado, sendo encontradas no Cerrado brasileiro.
Mas você sabia que as aves-do-terror podiam ser maiores que um avestruz, hoje considerada a maior espécie viva de ave? Sabe-se que as aves-do-terror tinham cerca de 1,40m de altura, podendo chegar a 2,40m quando esticadas (só o crânio dessa espécie chegava a medir 60cm). Além disso, estima-se que seu peso chegava a 180kg, igualando-se ao peso de um gorila adulto! Você consegue imaginar uma ave dessas proporções vivendo atualmente nas florestas do Brasil? Com esses dados, podemos perceber que não se tratava de um animal pequeno e “inofensivo”. Só para termos uma ideia: a maior espécie de ave-do-terror já identificada até hoje é a Kelenken guillermoi, descoberta na Argentina, e ela podia ultrapassar os 3m de altura, pesando entre 160 e 230kg!
As aves-do-terror tiveram o que os paleontólogos chamam de extinção tardia. Até recentemente acreditava-se que esses pássaros pré-históricos haviam sido extintos há 2,5 milhões de anos. Porém em 2009 pesquisadores brasileiros (dentre os quais estava o professor Herculano Alvarenga) e uruguaios encontraram fragmentos de ossos do membro inferior de um exemplar num sítio arqueológico de Montevidéu, no Uruguai, datados de 15 mil anos atrás. Isso significa que as aves-do-terror ocupavam o continente americano apenas 2 mil anos antes da chegada dos primeiros exemplares de Homo sapiens na América, como apresenta o evento
Supõe-se que a extinção desse grupo de aves foi lenta e gradual, diferentemente de outros animais, como amonites, animais marinhos, sobre os quais você pode explorar mais em
, e dinossauros não-avianos, apresentados no evento
Tanto as amonites quanto os dinossauros não-avianos sumiram totalmente da Terra após a Extinção Cretáceo-Paleogeno há 66 milhões de anos.
A hipótese é que o começo do fim das aves-do-terror tenha se dado com a emersão do istmo do Panamá (que consiste na porção de terra que interliga a América do Norte e a do Sul), no momento em que a dinâmica das correntes marítimas foi globalmente alterada, há 3 milhões de anos. Milhões de anos após a fragmentação da Pangeia, como pode ser percebido em
e em
, os dois continentes se reconectaram, findando a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico e possibilitando a migração de grandes e ferozes mamíferos carnívoros, tais como lobos ancestrais e tigres-dente-de sabre, da porção norte do continente americano para o sul.
Com esse grande intercâmbio, acredita-se que a competição por recursos tenha se intensificado e as aves-do-terror não se adaptaram às novas condições. Alguns megamamíferos sofreram esse impacto e também foram extintos, como é o caso das preguiças-gigantes, apresentadas no evento
Apesar de serem animais típicos da avifauna brasileira do Cenozoico, não existem registros fósseis que apontem a presença de aves-do-terror no Espírito Santo. No entanto, assim como os fósseis de mesossauros encontrados no Sul do Brasil e que revelaram a existência da Pangeia há milhões de anos, como contado no evento
, a réplica do fóssil da ave-do-terror do Muses é fundamental para conhecermos algumas das formações geológicas presentes na América do Sul, já que foi encontrada numa delas: o Rifte Continental do Sudeste do Brasil.
A FORMAÇÃO GEOLÓGICA DE UM RIFTE CONTINENTAL
Café, chá... Se você já preparou alguma dessas bebidas sabe que esquentar a água e até deixá-la ferver é o primeiro passo para sua feitura, certo? Mas você sabia que o vapor que sobe da água é resultado de um movimento semelhante ao que causa a formação de estruturas geológicas gigantescas como o rifte continental? Mas calma, para explicar melhor isso sugerimos que você imagine o cozimento do macarrão!
Suponhamos que uma porção de macarrão esteja cozinhando numa panela cheia de água. Nela você observaria que, quando superaquecida, a água formaria uma parte mais leve (que são as bolhas e o vapor que sobem em direção à superfície da mistura), enquanto a parte menos aquecida (que estará perto da borda da panela) será mais densa e a que, portanto, descerá ao fundo do recipiente.
Esses movimentos de subida e descida gerados por uma substância que está sob altas temperaturas são denominados movimentos de convecção. As Correntes de Convecção da Terra (também chamadas de Células de Convecção como apresentado no evento
) são os movimentos dos fluidos internos que se realizam no manto, abaixo da crosta terrestre. Esses mesmos movimentos também provocam a formação de vulcões, dorsais oceânicas (tal qual a que originou o oceano Atlântico, vista em
e de riftes continentais.
Os riftes continentais são rupturas na superfície terrestre ocasionadas por movimentos de convecção gerados pela ascensão do magma (misto de substâncias rochosas fundidas por altíssimas temperaturas) presente no interior do planeta. Essa tensão faz com que os pontos mais quentes (e leves) do magma se aproximem da crosta terrestre, separando porções de terra em movimentos de oposição. O resultado disso é a ocorrência de fissuras continentais que dão origem a depressões intituladas de rifte. Você alguma vez conseguiria imaginar que o mesmo processo que acontece com uma panela com água fervendo também ocorre no interior da Terra e leva à movimentação e separação de extensas massas terrestres?!
OS RIFTES CONTINENTAIS PELO MUNDO:
O GRANDE VALE DO RIFTE E O RIFTE CONTINENTAL DO SUDESTE BRASILEIRO
Assim como a contínua movimentação dos continentes na contemporaneidade (o que pode ser visto em
), os riftes são formações geomorfológicas e topográficas que reforçam a constância das mudanças geológicas no planeta Terra. Um exemplo disso é o Grande Vale do Rifte, uma estrutura que corta uma região que vai do Norte da Síria até o centro de Moçambique e que é resultado da separação das placas tectônicas Arábica e Africana, ocorrida há 35 milhões de anos.
Além disso, alguns riftes contribuem muito para o aprendizado sobre os acontecimentos históricos do passado do planeta. Isso porque as depressões existentes nessas formações geológicas apresentam muitos sedimentos que contêm fósseis de animais e plantas pré-históricas. É o caso do Rifte Continental do Sudeste do Brasil (RCSB), onde foi localizada a ave-do-terror mencionada acima.
O Rift Continental do Sudeste do Brasil foi ativado após uma série de eventos magmáticos entre as eras Mesozoica e Cenozoica (há aproximadamente 82 e 52 milhões de anos), período este também marcado pela fragmentação da Gondwana, como pode apresenta o evento
No entanto, a separação entre as porções de terra não ocorreu por completo, gerando uma série de depressões numa região de 900km que se estende pelos estados do Paraná até o Rio de Janeiro. Por essa razão, o Rift Continental do Sudeste brasileiro nada mais é que uma extensa área de depressão que segue a linha da costa litorânea atual.
Essa é uma das regiões que no passado foi habitat de espécies como a ave-do-terror. Além da exploração vigente de seu potencial econômico (pelas formações de areia, argila e hidrocarbonetos), por não ser imerso em água, o Rifte Continental do Sudeste do Brasil facilita a realização de diversos estudos paleontológicos que partem dos fósseis para o entendimento da história adaptativa dos seres vivos em geral.
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