PROIBIÇÃO À CAÇA DAS BALEIAS

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DE MOBY DICK À JUBARTE DO MUSES:

COMO A LITERATURA E OS ESQUELETOS REVELAM HISTÓRIAS DE CAÇA ÀS BALEIAS

Em 1851, Herman Melville (1819-1891) era um escritor estadunidense em decadência. Até então famoso apenas pelas histórias de ficção ambientadas em alto mar (que já lhe garantiram certa estabilidade financeira e sucesso de crítica), naquele ano foi lançado o livro que marcou o seu primeiro fracasso comercial: A Baleia (também conhecido por Moby Dick). Dividido em três volumes e narrado na primeira pessoa do singular, a narrativa do enredo girava em torno de Acab (ou Ahab), comandante do navio Pequod que está atrás de Moby Dick, um enorme cachalote branco (que é o maior mamífero cetáceo com dentes) responsável por arrancar-lhe uma das pernas. Essa busca por vingança faz o capitão e sua tripulação passarem por tempestades e acidentes no mar. Um enredo que, na época, não agradou muito os leitores e a crítica.

Moby Dick só se tornou um clássico da literatura em meados do século XX. 

Baseado em experiências pessoais de Melville como marinheiro amador (que utilizou extensa literatura sobre baleias existente naquele momento), o livro só foi reconhecido como um clássico da literatura mundial em meados do século XX. Suas descrições precisas e realistas acerca da vida numa embarcação culturalmente diversa e, sobretudo, sobre as baleias e métodos de caça desses animais ainda fazem de Moby Dick uma referência na contemporaneidade. Ao trazer tais detalhes à tona, o autor também revela que a caça predatória e pesca baleeira eram hábitos frequentes até pouco tempo atrás, colocando em risco de extinção diversas espécies de cetáceos como, por exemplo, a baleia-jubarte. A ocorrência desta espécie é algo recorrente no litoral capixaba, e no acervo exposto no Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (MUSES) é possível ver de perto partes do esqueleto de uma jubarte. 

GRANDES VIAJANTES DO FUNDO DO MAR: AS BALEIAS-JUBARTE

O MUSES é, atualmente, um dos responsáveis pela preservação da história natural do Sul capixaba, apresentando em seu acervo peças que nos levam a incríveis descobertas sobre os dias de hoje. Algumas delas correspondem a partes de um esqueleto da baleia-jubarte, o maior animal vivente no estado do Espírito Santo! A peça, que já chegou a medir 6m de comprimento, ajuda-nos a compreender um pouco mais sobre esse animal marinho.

Vértebra de baleia-jubarte exposta no Muses. 

Descrita pela primeira vez em 1781 pelo zoólogo alemão Georg Heinrich Borowski (1746-1801), a baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) é uma espécie de mamífero aquático que ocupa a maioria dos oceanos do planeta. Como uma das maiores espécies dentre os cetáceos, esses animais podem chegar, em média, ao comprimento de 16 metros, pesando até 40 toneladas. Mas você sabia que um filhote de baleia-jubarte já nasce com cerca de quatro metros de comprimento e uma tonelada?

Todos os anos grupos desses animais saem da Antártida e nadam cerca de 5 mil quilômetros até chegarem à região de Abrolhos. Esse arquipélago costeiro é um precioso berçário da vida marinha, que se estende do sul da Bahia até o Norte do Espírito Santo, sendo parcialmente protegido pelo Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Este é o local preferido das baleias-jubarte para se reproduzirem e terem seus filhotes: a estimativa é de que cerca de vinte mil baleias visitem todos os anos o litoral capixaba na temporada reprodutiva, que vai de maio a novembro. Neste período, elas se mantêm em jejum, com exceção dos filhotes, que ingerem em média 100 litros de leite materno diariamente. De acordo com Tiago Ferrari, coordenador técnico do projeto Amigos da Jubarte, a costa do Espírito Santo é mais do que parte da rota até a Bahia. Existem relatos de baleias nascidas no litoral sul, nas cidades de Piúma, Anchieta e Presidente Kennedy.

Baleia-jubarte e seu filhote na costa do Espírito Santo. Foto: Leonardo Merçon. 

Após o período de mama (que vai de seis a dez meses) e de volta à região antártica os filhotes também passam a se alimentar do krill (Euphasia superba), um minúsculo crustáceo abundante nos mares polares durante o verão, mas inexistente nas regiões tropicais. Somente quando dominam a caça e se abastecem suficientemente é que os filhotes acompanham suas mães no retorno às águas quentes onde nasceram, percorrendo, em um longo jejum, os quatro mil quilômetros de distância entre a Antártida e o arquipélago de Abrolhos. Contudo, registros indicam que alguns indivíduos vão além e sobem até o Rio Grande do Norte, no extremo Norte da costa brasileira, e outros interrompem a viagem na altura do litoral de São Paulo.

Essa espécie tem uma expectativa de vida que gira em torno de 45 a 50 anos. Contudo, como pode ser observado em 

, alguns fatores externos às baleias-jubarte podem provocar sua morte, tais como a pesca e caça predatória. Além disso, é bem comum que alguns indivíduos, por exemplo, encalhem em praias e regiões de arrebentação das ondas. Inclusive, a jubarte que hoje compõe o acervo do MUSES é uma baleia que encalhou numa praia e não sobreviveu. O esqueleto do animal foi doado ao museu após ser exposto ilegalmente por um hotel na Bahia. O estabelecimento foi, à época, notificado e orientado a destiná-lo a um lugar autorizado.

O canto das baleias-jubarte brasileiras.

AS POLÍTICAS INTERNACIONAIS DE PRESERVAÇÃO DAS BALEIAS

Nas últimas décadas, as baleias-jubarte voltaram a aparecer no litoral do Espírito Santo. Segundo a bióloga, pesquisadora e ex-diretora-presidente do Instituto Baleia Jubarte, Márcia Engel, a espécie estava quase extinta no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Numa entrevista de 2000 ao Portal Educacional, a especialista salientou que “havia um interesse econômico [na caça baleeira]. O óleo da baleia era bastante precioso. Ele era utilizado na iluminação, como argamassa na construção de casas e, fundamentalmente, na produção de óleo.”

Além disso, a caça às baleias esbarra em questões culturais, já que o consumo de sua carne é uma tradição milenar em diversos países da Ásia e da Europa. No entanto, o hábito de consumi-la já havia se enraizado em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde os benefícios nutricionais da iguaria eram anunciados em promoções nos supermercados.

No Brasil, as jubartes foram caçadas até 1986. Naquele mesmo ano, os países signatários da Comissão Baleeira Internacional (CBI) - também conhecida por Comissão Internacional da Baleia (CIB) - aceitaram a recomendação de uma moratória à caça da baleia-jubarte para deter o avançado processo de extinção da espécie. Até então, estimava-se que cerca de 90 a 95% de sua população já havia sido reduzida.

Em consequência, quase 35 anos após a proibição houve uma recuperação significativa da população baleeira em mares brasileiros. O número de indivíduos saltou de 450 na década de 1960 para quase 20 mil nos dias de hoje. Esse dado já está próximo das 27 mil baleias que existiam no início do século XVI, quando a caça desses animais teve início no Brasil. Ainda assim, a jubarte permanece nas listas vermelhas de animais ameaçados de extinção, seja em nível mundial, nacional ou estadual. Na lista capixaba ela ocupa o status "Vulnerável". Mas você sabia que, segundo a ONG Sea Shepard, desde que a proibição da caça comercial entrou em vigor mais de 25 mil baleias já foram abatidas na Islândia, na Noruega e no Japão?

Em países como Islândia, Noruega, Japão, e em outras comunidades menores, a caça de baleias ainda é permitida, com algumas restrições. A Islândia e a Noruega, por exemplo, beneficiam-se de uma cota concedida pela CBI ao consumo de subsistência, também utilizado pelos esquimós do Alasca. 

Na Islândia é permitida a caça de duas espécies: a baleia-minke e a baleia-comum, também conhecidas como baleia-anã e baleia-fin, respectivamente. Em 2015, pescadores islandeses receberam autorização para caçar 154 baleias-comuns e 229 baleias-anãs, uma cota estabelecida pelo Ministério da Pesca e Agricultura do país. Em setembro daquele ano um relatório foi publicado pela emissora pública local indicando que 29 baleias-anãs haviam sido capturadas e que toda a cota de pesca das baleias-comuns já havia sido preenchida.

Islândia amplia cota de caça de baleias até 2023

Dentre as justificativas dadas pelos islandeses para a caça desses animais está o mito de que eles comem todos os peixes menores. Porém, as baleias que habitam aquela região têm uma alimentação variada. Um outro ponto é que, diferente do que muitos pensam, a maior porcentagem de carne de baleia produzida na Islândia é consumida por turistas (cerca de 40%), sendo que apenas 1,7% é utilizado na alimentação da população local. Ainda assim, a maior parcela da carne oriunda da caça é exportada para o Japão, que possui uma grande demanda da iguaria.

No Japão, além das questões culturais, as justificativas para a pesca baleeira também giram em torno de fins científicos. Poucos anos depois de assinarem o acordo de suspensão à pesca de baleias proposto pela CBI, os japoneses retornaram à caça às baleias com o propósito de investigar a população desses animais e possíveis ameaças contra ela. Em 2018, o país deixou de fazer parte da Comissão e, desde então, tem estimulado a caça comercial, com uma cota anual de mais de 220 baleias abatidas, das espécies bryde, minke e sei. Para a nação nipônica, o consumo de carne de baleia faz parte de sua cultura, sendo considerado uma forma de afirmar sua soberania. Mas só para termos uma ideia: em 1964 os japoneses consumiram cerca de 154 mil toneladas de carne de baleia, um número gigantesco comparado ao ano de 2017, em que o consumo foi de cerca de 3 mil toneladas!

Descarregamento de uma baleia Minke no porto de Kushiro, em Hokkaido, Japão. 2019. Foto: Masashi Kato/Reuters 

Já na Noruega, a permissão à caça foi restaurada em 1993. Até 2017, quando o governo aumentou em 27% a cota de caça, cerca de 500 baleias foram mortas por ano. Em 2018, o número de animais mortos já aumentou em 5% em comparação ao ano anterior e, só entre 2018 e 2019, cerca de 1.200 baleias foram capturadas. Entretanto, ainda que a caça de baleias seja liberada em alguns países, outras ameaças aos gigantes dos mares são as redes de pesca, as colisões com grandes embarcações e a crescente poluição do mar, havendo vários relatos de baleias encontradas mortas com centenas de quilos de lixo plástico em seu estômago.

ECONOMIA BALEEIRA E IMPORTÂNCIA DAS BALEIAS AO MEIO AMBIENTE

No Brasil Colônia, o óleo de baleia era bastante utilizado na construção civil e iluminação pública das vilas e pequenas cidades. Existe até uma carta escrita pelos Jesuítas à Coroa Portuguesa afirmando que a iluminação de ruas e vielas não era um problema no território recém-invadido pelos portugueses, pois haviam muitas baleias no litoral. No Espírito Santo, há várias construções seculares que utilizaram esse recurso na argamassa, como a Igreja Velha (em São Mateus), a Igreja dos Reis Magos e a Igreja de Queimados (ambas na Serra), o Palácio Anchieta (em Vitória) e o Convento da Penha (em Vila Velha), dentre outros prédios antigos.

O Convento da Penha, em Vila Velha, no Espírito Santo, utilizou em sua construção o óleo de baleia. Fonte da imagem: conventodapenha.org.br 

Mas as baleias atualmente possuem uma importância ainda maior do que presumia-se haver nos séculos passados, em que seu aproveitamento resumia-se à construção civil, à alimentação, ao uso enquanto combustível, à adubagem na agricultura e à confecção de vestimentas tais como espartilhos. No final de 2019, o Fundo Monetário Internacional (FMI) calculou em dois milhões de dólares (cerca de R$10,4 milhões atualizados em maio/2021) o valor econômico dos serviços ambientais gerados por uma baleia ao longo de suas seis a oito décadas de vida. Isso se deve à gigantesca colaboração desses cetáceos para a redução do aquecimento global: ao morrerem, as baleias levam para o fundo do mar 33 toneladas de carbono retirados da atmosfera. Além disso, elas também são responsáveis por fertilizar os oceanos com suas fezes, favorecendo a multiplicação de plânctons, principal produtor de oxigênio no planeta. Isso porque nem falamos na whale watching, que consiste no turismo centrado na observação de baleias.

O Espírito Santo, desde o final da década de 2010, tem sido uma referência nesse turismo de observação de baleias, recebendo grupos de turistas que se aproximam de baleias-jubarte em alto-mar para presenciar os seus famosos saltos. Partindo do pretexto de um turismo ecológico responsável, alguns projetos também têm promovido ações de caráter educacional, científico e cultural acerca dessa espécie e sua preservação. Um deles é o Projeto Amigos da Jubarte, realizado em parceria com o Instituto O Canal e Instituto Últimos Refúgios, com recursos da mineradora Vale e apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Prefeitura Municipal de Vitória e Governo do Estado do Espírito Santo.

Projeto Amigos da Jubarte fomenta a preservação e o turismo ecológico proporcionando a observação de baleias.

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Published in 22/06/2021

Updated in 25/09/2021

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