Conquista de Alcácer Ceguer

24/10/1458

RTP:

A conquista foi liderada pelo rei D. Afonso V. A praça foi conquistada, mas a sua manutenção foi sempre muito difícil. Perdeu importância e foi abandonada em 1550 quando Portugal já conquistara Tanger e Arzila.

A vila de Alcácer-Ceguer, ou seja, Alqasr alsaghir, que significa “pequeno castelo”, localiza-se no litoral do norte de Marrocos, entre Ceuta e Tânger. Embora sem a importância destas duas cidades, era uma posição com alguma importância no século XV, como ponto de apoio à navegação e reduto de corsários do Estreito de Gibraltar.

A 24 de outubro de 1458, o rei de Portugal entrou na vila, após a rendição dos habitantes às forças militares portuguesas que ali desembarcaram, três dias antes, e cuja artilharia conseguiu abrir uma brecha na muralha. Alcácer-Ceguer não dispunha, de facto, de forças ou fortificações suficientes para resistir à investida da armada portuguesa, composta por duas centenas de velas e que dispunha de artilharia e de vários milhares de soldados. A expedição foi liderada pelo próprio monarca e nela participaram algumas das figuras mais importantes da nobreza portuguesa, entre elas o Infante D. Henrique, que desempenhou, aliás, um papel importante na sua preparação.

Quais foram os motivos que levaram o rei a preparar a expedição?

A conquista de Alcácer-Ceguer foi uma espécie de “regresso a Marrocos” após o fracasso de Tânger, ocorrida duas décadas antes. Só foi, evidentemente, possível após a subida ao trono de D. Afonso V, que desde cedo manifestava inclinação para retomar os projetos de conquista no norte de África. Diversas circunstâncias eram favoráveis ao regresso dos portugueses a Marrocos, nesta época. Em primeiro lugar, Ceuta era a única praça portuguesa no norte de África, que se revelava de utilidade e eficácia reduzida, devido ao seu isolamento. Depois, o papa tinha recentemente emitido uma bula de cruzada, a qual atribuía a posse de Alcácer-Ceguer a Portugal. Finalmente, e talvez o mais importante, a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 1453, causou uma comoção por toda a Europa cristã e levou o papa a pregar uma nova cruzada, à qual D. Afonso V parece ter sido o único monarca a responder afirmativamente. Como esta nunca se realizou, o rei terá decidido canalizar os recursos para uma ofensiva militar em Marrocos.

Qual foi a importância desta conquista?

A tomada de Alcácer-Ceguer marcou definitivamente a retoma do interesse português por Marrocos. Depois da conquista da pequena vila, D. Afonso V, inspirado por sonhos de cruzada e de feitos de armas, prosseguiu com a conquista de Tânger e de Arzila. O seu filho, D. João II, centrou o seu interesse nas regiões mais a sul, onde as produções locais tinham interesse para o comércio português ao longo da costa africana. D. Manuel, por fim, alargou o regime de protetorado sobre várias regiões costeiras de Marrocos e integrou a presença portuguesa no seu projeto global de cruzada. Contudo, a manutenção das praças portuguesas no norte de África era dispendiosa e difícil, tanto mais que a sua utilidade era cada vez mais reduzida. Deste modo, e após subir ao trono em 1521, o rei D. João III começou a ponderar a possibilidade de evacuar algumas das praças, o que veio efetivamente a ocorrer ao longo das décadas seguintes. Alcácer-Ceguer foi abandonada em 1549, ficando a restar apenas Ceuta, Tânger e Mazagão como os últimos marcos da expansão portuguesa em Marrocos.

Informações adicionais:

História

Localizada no estreito de Gibraltar, entre Tânger e Ceuta, esta povoação foi dominada por vários povos. Os fenícios já usam a zona nas sua rotas comerciais mas os romanos foram os primeiros a ocupar a localidade desde o primeiro século e durante o Império Romano, como evidenciado pelos restos de uma fábrica de salga. Para os romanos era conhecida como Lissa ou Exilissa. Durante o Império Bizantino o lugar era conhecido como Exilyssa, sendo uma das localidades mais extremas deste império. A localidade foi conquistada pelos árabes por volta de 708 durante a ocupação muçulmana do Magrebe.

Dificilmente acessível por mar, era dominada pela elevação de Seinal. Durante o Califado Almóada, foi um importante porto de embarque de tropas para a Península Ibérica. Entretanto, no século XV (no fim do Império Merínida) convertera-se num reduto de corsários.

Como parte da política de expansão ultramarina portuguesa, foi assaltada e conquistada por uma frota de com 220 embarcações, transportando um exército de 25 mil homens sob o comando de D. Afonso V, "O Africano", após dois dias de combate (23 e 24 de Outubro de 1458).

Na empresa participaram ainda o infante D. Henrique (no comando da Armada do Algarve), o infante D. Fernando, o marquês de Valença (no comando da Armada do Porto) e o marquês de Vila Viçosa. Os ventos desviaram a nau do rei para as águas de Tânger cuja conquista foi cogitada pelo soberano, mas graças à influência do infante D. Henrique, que havia participado no desastre de Tânger em 1437, manteve-se a decisão de atacar Alcácer-Ceguer. A conquista foi possível devido à superioridade da artilharia portuguesa, e à estratégia do rei de Fez, Abdal Haque – que em 1437 havia capturado o Infante Santo –, informado da presença da frota portuguesa nas àguas de Tanger, enquanto preparava um ataque a Tremecém, decidiu deslocar as suas forças para defesa de Tanger.

De imediato foram iniciados trabalhos de recuperação e reforço das defesas. A mesquita da cidade foi transformada em igreja sob a invocação de Santa Maria da Misericórdia, outorgada à Ordem de Cristo por iniciativa do infante D. Henrique.

A retaliação islâmica não se fez esperar. D. Afonso V ainda se encontrava em Ceuta, quando foi informado de que as forças de Abd al-Hakk se preparavam para retomar Alcácer-Ceguer. Afonso V de imediato decidiu acorrer em defesa da praça ameaçada, sendo dissuadido por seus conselheiros. Deliberou-se então desafiar o rei de Fez para uma batalha campal, à maneira da Idade Média, tendo os emissários portugueses sido recebidos a tiros e forçados a retroceder.

A esquadra portuguesa aportou ao largo de Alcácer-Ceguer mas os seus esforços foram em vão, uma vez que os sitiantes não se amedrontaram, não tendo sido possível fazer chegar qualquer tipo de ajuda aos sitiados. Estes, sob o comando de D.Duarte de Menezes – filho do primeiro capitão de Ceuta, D. Pedro de Meneses –, resistiram por 53 dias, infligindo tantas perdas ao inimigo, que este acabou por retirar, a 2 de Janeiro de 1459.

Seis meses mais tarde, a 2 de Julho de 1459, Abd al-Hakk voltou a cercar a cidade. Durante este cerco, D. Duarte de Meneses mandou vir do reino a esposa e os filhos que, com alguma dificuldade, conseguiram furar o cerco e ingressar na praça. Esta atitude do capitão deu novo ânimo à guarnição sitiada que não cedeu as defesas, vindo o assédio a ser levantado em 24 de Agosto de 1459. Como recompensa pelas defesas de Alcácer-Seguer, o soberano elevou D. Duarte de Meneses a conde de Viana (Abril de 1460).

A população da praça chegou a atingir as 800 pessoas, mas estava totalmente dependente do Reino para a sua manutenção. A presença Portuguesa em Arzila e em Tânger, ocupadas em 1471, diminuiu a sua importância estratégica.

Para reforço da sua defesa D. Manuel I (1495-1521), em Junho de 1502, passou ao Mestre de Pedraria Pêro Vaz, seis "in-fólios" com Instruções acerca das obras de Alcácer-Ceguer. Estas descrevem minuciosamente como levantar a couraça (muralha que protegia o acesso à água), e ilustram-na com um dos raros desenhos remanescentes da praça, da autoria do Arquiteto régio responsável pela obra, possivelmente o próprio Diogo Boitaca, que, após um novo projeto em 1509, vistoriou-a pessoalmente em 1514. Neste projeto também foi prevista a construção de um novo baluarte, com dois níveis de canhoneiras, erguido por Francisco Danzilho.

A partir de 1533, D. João III cogitou em abandoná-la, como Azamor e Safim. A evacuação tinha a oposição da Santa Sé.

Projeto de couraça (muralha que protegia o acesso à água) para a praça-forte de Alcácer-Ceguer (Diogo Boitaca (?), 1502).
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Dom Afonso V

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Published in 11/11/2020

Updated in 19/02/2021

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