VASCO FERNANDES COUTINHO CHEGA AO ESPÍRITO SANTO

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VASCO FERNANDES COUTINHO: O CAPITÃO DONATÁRIO DA CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO

Vasco Fernandes Coutinho (1490-1561) era um português proveniente da nobreza portuguesa, filho de Jorge de Melo, O Lágio, e de Branca Coutinho. Em seu retrospecto, já havia sido um ex-combatente em conflitos ocorridos em Málaga, Molucas, Tamou, Goa e em outras praças da Ásia e da África, tendo acumulado até a função de prefeito da antiga cidade de Ormuz, localizada na entrada do Golfo Pérsico. Em 1º de junho de 1534, Coutinho recebeu a carta de doação de uma porção de terra existente num território ainda desconhecido, além do Atlântico. Para tornar-se donatário da vindoura Capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho vendeu diversos bens e fez diversas dívidas, chegando até mesmo a abandonar parentes em Portugal.

Vasco Fernandes Coutinho. Fonte da imagem: Wikipedia/Jeferson de Oliveira 

Como você pode conferir no evento 

, os povos originários ofereceram resistência à chegada e invasão europeia no território que hoje compreendemos como Brasil - e isso não foi diferente com a chegada de Vasco Fernandes Coutinho às terras capixabas.

Como aponta o historiador brasileiro Rogério Piva: “sabemos que o desembarque de Vasco Fernandes na região do Forte de Piratininga [localizado no município atualmente chamado de Vila Velha] não foi um desembarque pacífico; tanto que eles [colonizadores] tiveram que dar tiros de canhões para o litoral para conseguir desembarcar”. Esse desembarque ocorreu no dia 23 de maio de 1535, na região onde hoje é a Prainha de Vila Velha. Lá foi fundada a primeira vila da Capitania do Espírito Santo. 

Prainha, em Vila Velha. Local de desembarque de Vasco Coutinho quando da chegada ao Espírito Santo. Fonte da imagem: TripAdvisor/Ali Pertinho 

Inclusive, acerca do nome dado à capitania, a historiografia acredita que, à época do desembarque, tratava-se da oitava de Pentecostes. Por conta disso, o donatário terminou por batizar a terra do Espírito Santo, homenageando assim a terceira pessoa da Santíssima Trindade Católica. Contudo, alguns especialistas em História do Espírito Santo, como Fernando Achiamé (1950-) e João Eurípedes Franklin Leal, indicam a inexistência de documentos que comprovem esse fato.

Assim que aportou, Coutinho distribuiu sesmarias (terrenos abandonados pertencentes a Portugal, existentes tanto na metrópole quanto nas colônias) entre 60 colonizadores que vieram com ele na armada. Entretanto, o local de desembarque não oferecia muita segurança contra ataques e invasões, o que fez com que o português direcionasse seus interesses para uma ilha montanhosa vizinha, a fim de estabelecer um novo núcleo populacional. Esse segundo aldeamento foi, a princípio, denominado de “Vila Nova do Espírito Santo”, em contraposição ao primeiro núcleo, denominado de “Vila Velha”. Tal vila foi oficialmente fundada após o término das batalhas contra os índios Kaingang (botocudos) - que perdurou de 1549 até o dia 8 de setembro de 1551 -, recebendo posteriormente o nome de “Vila da Vitória”. Essa data tornou-se, então, a oficial de fundação da cidade que hoje é a capital do Espírito Santo.

Cidade de Vitória, no Espírito Santo. Antiga Vila Nova do Espírito Santo.

No decorrer do século XVI, presenciou-se o surgimento de novos núcleos populacionais em outras regiões da capitania: os vilarejos de Serra, Nova Almeida e Santa Cruz são fundados em 1556, com a chegada de missionários jesuítas (que você pode conhecer em 

) às terras ocupadas. Em 1558, desembarcou nessa região o Frei Pedro Palácios (1500-1570), responsável pela fundação do principal ponto turístico do estado na atualidade: o Convento da Penha.

Os principais legados de Vasco Fernandes Coutinho para a Capitania do Espírito Santo foram a fundação das duas principais vilas - Vila Velha e Vitória - e também das primeiras igrejas: a Igreja do Rosário (de 1535 e que, de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é a segunda igreja mais antiga ainda em funcionamento no país) e a Igreja de São João, anterior à Igreja do Rosário.

Em 1561, Coutinho renunciou ao governo da capitânia, falecendo nesse mesmo ano, em Vila Velha, aos 71 anos. O posto de Governador da Capitania foi herdado pelo filho, Vasco Fernandes Coutinho Filho. Este era casado com Luiza Grimaldi (1541-1636), que se tornou a primeira governadora do Espírito Santo e uma das primeiras mulheres a comandar uma capitania hereditária durante o período do Brasil Colônia. 

Estátua em homenagem a Luiza Grimaldi, primeira mulher a comandar uma capitania. Fonte da imagem: Morro do Moreno 

A nora de Vasco Fernandes Coutinho governou a Capitania do Espírito Santo de 1589 a 1593, até ser destituída pelo Rei Filipe de Espanha e Portugal. Naquela época, mulheres não eram permitidas pela Igreja Católica a ocupar postos políticos ou no governo. Segundo o historiador brasileiro Paulo Rezutti, em seu livro Mulheres do Brasil: a história não contada (2018), Grimaldi foi a responsável pela doação do Morro das Palmeiras para a construção do Convento da Penha. Além disso, D. Luiza Grimaldi, em conjunto com os nativos aliados, enfrentou a invasão do famoso corsário inglês Thomas Cavendish (1560-1592), impedindo o saqueamento da Vila de Vitória em 1592.

O povoamento do Espírito Santo continuou de forma lenta por cerca de 300 anos ao longo do litoral, tendo como principal produto da economia a cana-de-açúcar. No interior, o povoamento foi feito pelos mineiros e fluminenses que chegaram aqui atraídos pelo café, cultivado após 1840 como pode ser visto no evento 

A CHEGADA DOS COLONIZADORES ÀS TERRAS ALÉM DO ATLÂNTICO SUL 

“No dia seguinte [22 de abril] - quarta-feira pela manhã - topamos aves a que os mesmos chamam de fura-buxos. Neste mesmo dia, à hora de vésperas [entre 15h e 18h], avistamos terra! Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; depois outras serras mais baixas, da parte sul em relação ao monte e, mais, terra chã. Com grandes arvoredos. Ao monte alto o Capitão deu o nome de Monte Pascoal; e à terra, Terra de Vera Cruz”. Foi com essas palavras que Pero Vaz de Caminha (1450-1500), escrivão da expedição portuguesa que atravessou o Atlântico Sul, registrou o avistamento de terras pelas naus lusitanas em 22 de abril de 1500. Esse trecho está contido no documento considerado uma “certidão de nascimento do Brasil”: A Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel, de Portugal.

Carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rei D. Manuel, de Portugal. Fonte da imagem: publico.pt 

Liderada por Pedro Álvares Cabral (c. 1467 ou 1468-1520) - um cavaleiro da Ordem de Cristo e favorito de D. Manuel -, a expedição que culminou na “descoberta” de terras ao sul do oceano Atlântico fazia parte de um processo de exploração de novas terras no oeste e também do estabelecimento de rotas comerciais até a Índia. A armada contava com cerca de 1.500 homens, distribuídos em 13 embarcações que deixaram Lisboa no dia 9 de março de 1500.

Ainda segundo o relato de Caminha, somente no dia seguinte, dia 23 de abril de 1500, foi que aconteceram os primeiros contatos entre os portugueses e os nativos. Segundo o escrivão, os nativos “eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as suas vergonhas. Traziam nas mãos arcos e flechas”. Além disso, ele prossegue:

“A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são bem-feitos. […] Ambos […] traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco e realmente osso, do comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo ponta na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do lábio, e a parte que fica entre o lábio e os dentes é feito à roque de xadrez, ali encaixado de maneira a não prejudicar o falar, o comer e o beber”.

Desembarque dos portugueses no Brasil. Fonte da imagem: Wikipedia/Oscar Pereira da Silva/Acervo do Museu Paulista - USP 

Os primeiros contatos entre europeus e indígenas foram marcados por trocas de objetos e a aproximação aos povos que já ocupavam essas terras. Ainda que alguns historiadores indiquem que os portugueses chegaram por aqui em situação extremamente degradante - sofrendo de fome, desnutrição, falta de nutrientes e desgaste físico e emocional -, esses estrangeiros buscaram formas de marcar (resguardar) esse território. Isso se deu, por exemplo, com a celebração da primeira missa no dia 26 de abril de 1500 e, principalmente, com o aprendizado do conhecimento indígena relacionado à terra. Mais tarde, a assimilação desse conhecimento facilitou a dominação e escravização de povos originários, como você também pode observar no evento 

Não muito tempo depois de aportarem na costa "recém-descoberta”, uma embarcação foi enviada a Portugal para noticiar o encontro de novas terras. Por mais que o achado fosse uma novidade, o Rei português D. Manoel I resolveu deixar o Brasil em segundo plano e, no dia 2 de maio, a expedição de Cabral deixou o Brasil em direção à Índia, visando seus objetivos comerciais iniciais.

DE ILHA DE VERA CRUZ A BRASIL:  O INÍCIO DA OCUPAÇÃO PORTUGUESA E A CONSOLIDAÇÃO DO SISTEMA DE CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

O Brasil começou a ser colonizado após 1530, diante do declínio do comércio de especiarias com a Índia. Foi a partir desse momento que se iniciou uma exploração do pau-brasil por Portugal. O nome da árvore faz referência à sua resina de tom avermelhado. Historiadores contam que o termo “brasil” advém do latim “brasilia”, que significa “cor de brasa” ou “vermelho”. Por causa da abundância em que a árvore foi encontrada no território ocupado, seu nome foi usado para nomear as terras invadidas pelos portugueses. Mas até se chamar “Brasil”, o país foi nomeado de “Ilha de Vera Cruz”, “Terra dos Papagaios” e “Terra de Santa Cruz”.

Com o início das atividades econômicas voltadas para o Brasil e com medo de perder este território para outros “conquistadores europeus” (que já buscavam se fixar por aqui), o Rei D. João III então implementou o sistema conhecido como Capitanias Hereditárias.

Divisão das terras Brasileiras em Capitanias. Fonte da imagem: Wikipedia/Luís Teixeira - Roteiro de todos os sinais..., 1586. Lisboa, Biblioteca da Ajuda 

A ideia por trás desse sistema político e geográfico era dividir o Brasil em partes, de modo a administrá-lo economicamente e povoá-lo. Isso ocorreu a partir de 1530, quando todo o território mapeado foi dividido em 15 capitanias, distribuídas a 12 donatários. Cada donatário era o capitão responsável por povoar, administrar, proteger, fundar vilas e desenvolver a economia da terra que lhe foi concedida.

Os donatários não tinham nenhuma ajuda financeira da Coroa Portuguesa, mas tinham algumas vantagens, tais como escravizar indígenas, cobrar tributos, explorar a região etc. Como veremos, o território correspondente ao que hoje conhecemos como Espírito Santo ficou sob responsabilidade de um fidalgo português, pertencente a uma família de grande fama militar: Vasco Fernandes Coutinho.

O PAU-BRASIL E O FALSO-PAU-BRASIL DO MUSES:  AS TERRAS AO SUL DO NOVO MUNDO E A ORIGEM DO NOME “BRASIL”

O pau-brasil, ou cientificamente Paubrasilia echinata (Lam.), é uma árvore leguminosa (ou seja, que produz flores) nativa da Mata Atlântica brasileira. A espécie pode alcançar até 15m de altura, apresenta tronco reto de cor cinza-escuro e galhos que possuem espinhos (denominados de acúleos). Suas flores extremamente aromáticas possuem quatro pétalas amarelas e uma vermelha menor. Já os frutos possuem espinhos longos e afiados, uma proteção contra pássaros. Cada um de seus ramos pode ter, em média, cinco sementes marrons. Também é conhecida como pau-de-pernambuco e ibirapitanga (em tupi-guarani), é uma árvore com madeira de tom avermelhado, amplamente utilizada na confecção de móveis e caixas. Além disso, a espécie produz uma resina natural valiosa, também de tom avermelhado, usada para o tingimento de tecidos. Por essas características, essa árvore foi a base da economia nas primeiras décadas após a colonização europeia e, por isso, quase foi extinta por essas terras.

Pau-Brasil adulta em Passa-Quatro/MG. Fonte da imagem: Wikipedia/A. G. Freitas Neto 

Com algumas semelhanças ao pau-brasil original, temos um Brosimum paraense, popularmente conhecido como muirapiranga ou falso-pau-brasil. Diferentemente do pau-brasil original, essa árvore está distribuída por todo o território amazônico. Um espécime pode atingir até 30m de altura e 1m de diâmetro. Apesar de não ser possível extrair a resina que produz a tinta vermelha, a madeira do falso-pau-brasil também apresenta coloração avermelhada, semelhança que faz com que sejam espécies confundidas. Ainda assim, a madeira do falso-pau-brasil também é muito utilizada em móveis especiais, objetos artesanais, assoalhos e construção civil.

A coleção Flora do Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (Muses) conta com exemplares de ambas as espécies, representadas por meio de suas sementes. No caso das sementes de pau-brasil, elas podem ser vistas avulsas ou ligadas a um ramo. Já as sementes do falso-pau-brasil estão dispostas na coleção apenas no formato avulso. Enquanto a semente do pau-brasil original é amarronzada, as sementes do falso-pau-brasil apresentam uma coloração em vermelho intenso.  

Semente de Pau-Brasil exposta no Muses. 
Ramo de Pau-Brasil exposto no Muses.  
Semente de Falso-Pau-Brasil exposta no Muses.  

Além dessas peças, a coleção Flora também é composta por artigos que registram a paleoflora. Dentre elas há representações de cooksonias, caule fóssil da Floresta Petrificada do Tocantins e outro registro fóssil de uma samambaia do Carbonífero. Você pode explorar a história dessas peças nos eventos 

, respectivamente.

Cooksonia exposta no Muses. 
Caule Fóssil da Floresta Petrificada do Tocantins exposto no Muses. 
Samambaia do Carbonífero exposta no Muses. 

A coleção Flora do Muses contribui com o aprendizado sobre a paleoflora e a flora vegetal mais recente. Porém as peças também contam histórias importantes sobre a formação do Brasil. Por exemplo, você sabia que a exploração do pau-brasil pelos portugueses invasores não se deu de imediato assim que chegaram por aqui? Ou que, o primeiro contato dos povos originários com os europeus se deu no litoral de Porto Seguro (BA)?! Esses e outros aspectos sobre o Brasil de 1500 veremos nos conteúdos a seguir.

DESMATAMENTO:  A HERANÇA HISTÓRICA DA COLONIZAÇÃO

Atualmente o município de São Lourenço da Mata, em Pernambuco, é considerado a capital nacional do pau-brasil. Lá estão plantadas 50 mil mudas da espécie. Já no município vizinho, em Glória do Goitá, está localizado o único museu destinado ao pau-brasil. No ano de 2020, pesquisadores encontraram o exemplar mais antigo já registrado, com aproximadamente 600 anos de idade. A árvore possui um tronco com mais de 7 metros de diâmetro e foi localizada em Itamaraju, município do estado da Bahia.

Como pode ser observado em 

, a ocupação portuguesa iniciada a partir de 1530, ameaçou espécies vegetais da Mata Atlântica, tais como o acaiacá e o pau-brasil. Até meados de 1588, estima-se que quase 5 mil toneladas de pau-brasil foram levadas do Brasil para Portugal, sem contar a quantidade que era largamente contrabandeada pelos franceses. É provável que, até o final daquele século, cerca de dois milhões dessas árvores tenham sido derrubados.

O Espírito Santo foi, dos estados brasileiros, o mais afetado pela retirada da espécie. A Mata de Tabuleiros, um ecossistema que cobria praticamente metade das terras capixabas, quase desapareceu. Devido à sua constante exploração, o pau-brasil havia sido dado como extinto no estado desde a década de 1980. Porém, uma iniciativa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro que visa a conservação das populações naturais de pau-brasil restabeleceu as buscas pela espécie e, em abril de 2008, foram encontradas 25 destas árvores no município de Aracruz, no Norte do Espírito Santo. Nessa região estão localizadas duas unidades de conservação: a Reserva Biológica de Sooretama e a Reserva Natural Vale. Ainda assim, a espécie encontra-se inserida na lista de ameaçadas de extinção no ES.

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Published in 20/07/2021

Updated in 24/09/2021

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