EXTRAÇÃO DO MÁRMORE NO SUL DO ESPÍRITO SANTO

MÁRMORE: DAS ESCULTURAS DE MICHELANGELO À COLEÇÃO DE GEOLOGIA DO MUSES

Como pode ser conhecido nos eventos

e 

, o ano de 1500 - o último do século XV - ficou marcado na História pela chegada da armada portuguesa liderada por Pedro Álvares Cabral às terras ao sul do Novo Mundo, território este que daria origem ao Brasil. Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, alguns países da Europa passavam por intensos processos sociais, políticos e econômicos resultantes da transição do feudalismo para o capitalismo. Tais eventos culminaram num fenômeno histórico de grande efervescência nas ciências, nas filosofias e nas artes, denominado de Renascimento. 

O período entre os séculos XIV e o XVI, marcado por um intenso intercâmbio cultural e valorização do humanismo (“o homem no centro de tudo”), da racionalidade e da natureza, é também caracterizado pelos “grandes mestres da arte”: Leonardo Da Vinci (1452-1519), Rafael Sanzio (1483-1520) e Michelangelo Buonarotti (1475-1564). Tais artistas ocuparam uma posição de destaque não apenas pelos trabalhos em pintura que desenvolveram naquele contexto, mas também por elaborarem invenções e se especializarem em outros campos de estudo, tais como arquitetura, biologia, botânica, geologia, literatura, engenharia civil, matemática, poesia, música e escultura, por exemplo. Um deles, Michelangelo, era famoso pelas peças em mármore que esculpia. Duas de suas esculturas mais famosas - "Pietà" (1499) e “David” (1501-1504) - foram produzidas a partir de uma rocha que também pode ser encontrada no Museu de História Natural do Sul do Estado do Espírito Santo (Muses): o mármore.

O mármore é uma rocha carbonática formada há milhões de anos, resultante de metamorfismo do calcário quando exposto a altas temperaturas e pressão. Registros históricos dão conta de que, há mais de 9 mil anos, blocos de mármores em bruto ou de arenito já eram utilizados pela humanidade na construção de pirâmides e muros, visando a proteção de cidades e castelos.

Atualmente, as maiores jazidas desta rocha estão localizadas no Brasil, Itália, Grécia, França, Espanha, Argélia, Portugal, Alemanha, Turquia, Israel, Egito, Noruega, Estados Unidos, México e Uruguai. Além da cor branca (muito comum nas esculturas renascentistas), o mármore também pode ser encontrado nas cores preta, marrom, amarela, tonalidades de azul, vermelha, cinza, rosa, encarnada, verde, entre outras. Dentre as peças da coleção de geologia do Muses (que você também pode conferir nos eventos 

e 

), há um pedaço de mármore branco coletado no município capixaba de Vargem Alta. Essa peça ilustra um pouco da história geológica do Espírito Santo - análises e estudos da peça já indicaram, por exemplo, que a rocha data do Neoproterozoico, era que ocorreu entre 550 e 620 milhões de anos atrás.  

A PRODUÇÃO DE MÁRMORE NO SUL CAPIXABA

Você pode observar tanto em 

quanto em 

que o Sul do Espírito Santo é até hoje marcado pelo desenvolvimento econômico ocasionado pela produção de café e pelo turismo. Mas você sabia que a região ainda é responsável por 75% da produção de mármores do Brasil? Os dados são do Sindicato das Indústrias de Rochas Ornamentais, Cal e Calcário do Espírito Santo (Sindirochas). Além disso, 100% do mármore capixaba é extraído da região Sul, chegando a movimentar um mercado gigante e impactando significativamente a economia do país.

No Brasil, os principais produtores de mármore são o Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A extração dessa rocha no estado capixaba foi iniciada em meados de 1950, no município de Vargem Alta, na fazenda do produtor rural Horácio Scaramussa. Scaramussa é descendente de imigrantes italianos que vieram para o Brasil entre os séculos XIX e XX, evento histórico destacado em 

Ao ver as estruturas rochosas na fazenda de seu tio, Oge Dias de Oliveira levou amostras de mármore para análise no Rio de Janeiro - a pesquisa desses fragmentos permite a Oge perceber, naquele momento, que havia um mercado nacional voltado à marmoraria.

Nos dias atuais, o turismo de negócios vem crescendo em Vargem Alta em função da extração de rochas ornamentais, principalmente mármore e granito. No estado, é comum que as jazidas também apresentem porções de calcário, calcita e dolomita, muito utilizadas antigamente na produção de pó. Por essa especificidade, todo mármore retirado em solo capixaba pertence ao grupo dos calcários recristalizados por um metamorfismo ocorrido entre o Pré-Cambriano e o início da era Paleozoica, há cerca de 450 e 700 milhões de anos. Foi nessa época que a vida no planeta Terra estava dando seus primeiros passos em ambientes aquáticos, como é destacado no evento

Dentre os tipos encontrados no Espírito Santo - que possui reservas de cerca de 360.000.000m³ -, os que mais se destacam são o branco absoluto, branco neve, branco esmeralda, cinza, rosa, rosa imperial, marrom, chocolate, choco rosa, verde, pinta verde e azul acqua marina. Com o aperfeiçoamento técnico, após a retirada o mármore passa por um processo de serragem, que permite a produção de chapas translúcidas que misturam mármore e calcita. Tais chapas são um atrativo na confecção de peças ornamentais decorativas.

Além de Vargem Alta, outros dois municípios vizinhos também são produtores de mármore no Espírito Santo: Castelo e Cachoeiro de Itapemirim. Ainda nos anos 1950, começou a ser desenvolvido em Cachoeiro de Itapemirim um polo industrial que deu origem ao Parque Estadual de Rochas Ornamentais. Seu acervo é composto por mais de mil tipos de rochas, entre mármores e granitos, conhecidas e catalogadas de diversas partes do mundo.

Antes de conhecer um pouco sobre Cachoeiro de Itapemirim, você sabia que nomes importantes da música, da literatura e do feminismo no Brasil nasceram nessa cidade? O escritor e cronista Rubem Braga (1913-1994), os cantores e compositores Sérgio Sampaio (1947-1994) e Roberto Carlos (1941-) e a dançarina, naturista e feminista Luz del Fuego (1917-1967) são algumas dessas personalidades. Esta última inclusive é reconhecida pelos ideais naturistas e por sua contribuição na luta pela emancipação dos direitos das mulheres e contra os preconceitos sociais em plena década de 1940.

Economicamente, dos 15 municípios que compõem o Arranjo Produtivo Local (APL), Cachoeiro também destaca-se como maior polo de beneficiamento de rochas das Américas. Com seu parque industrial de rochas ornamentais, a cidade é reconhecida como a Capital Brasileira do Mármore. Além disso, o município é o centro mais importante do segmento no Brasil e o segundo maior polo produtor e processador de rochas ornamentais do mundo, com cerca de 1.200 empresas. Muitas das rochas extraídas da cidade são exportadas para países como os Estados Unidos, que nos últimos anos aumentaram sua demanda interna do produto.

OS RISCOS E O ALTO PREÇO PAGO PELA EXTRAÇÃO DO MÁRMORE

Apesar do cenário econômico positivo na região possibilitado pela atividade marmoreira, nem tudo são flores quando analisamos alguns aspectos do setor. Ainda que a extração do mármore seja responsável por 10% do produto interno bruto (PIB) capixaba e tenha faturado US$ 740 milhões em exportações em 2020, segundo o Sindirochas, o setor falha no investimento em medidas de segurança do trabalho, o que é refletido na quantidade assustadora de acidentes e mortes de trabalhadores nas jazidas. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores do Mármore e Granito do Espírito Santo (Sindimármore), de 2009 a 2020 foram registrados 2774 acidentes com trabalhadores da categoria. Desses, 289 aconteceram apenas em 2020, com 12 mortes. A título de comparação, 2015 foi o ano com maior ocorrência, chegando a 346 registros.

Hoje, o setor do mármore e granito é considerado a atividade econômica mais letal realizada no Espírito Santo, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). Em entrevista ao Portal Outras Mídias (2021), o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT-ES) Valério Soares Heringer aponta que “há muitas falhas que contribuem para os acidentes e mortes dos trabalhadores. As principais regras descumpridas são a ausência de entrega ou a fiscalização inadequada do uso de equipamentos de proteção individual; falta de exames médicos periódicos; não fornecimento de informações sobre os riscos ocupacionais existentes; falta de dispositivos de capacitação para movimentação, armazenagem e manuseio de chapas; deixar de determinar procedimentos a serem adotados em caso de acidente ou doença relacionada ao trabalho, incluindo a análise de suas causas e medidas de prevenção e reparação do dano; e até a não emissão de comunicação de acidente de trabalho”.

Ainda segundo a reportagem, “a falta de fiscalização, o excesso de carga de trabalho diante da suspensão de contratos [na pandemia do novo coronavírus] e a manutenção e até o aumento da produção são alguns fatores apontados por diretores do Sindimármore para a escalada de acidentes com mortes em 2020”.