Desdobramento Temáticos - Corpo e Performance;
Desdobramento Temáticos - Corpo e Performance no acervo da Videobrasil;
Ao longo de três meses, a exposição Reviravolta esteve em exibição na cidade de Vitória, em dois significativos espaços artísticos, a Galeria Homero Massena e o MAES - Museu de Arte do Espírito Santo. Simultaneamente a exposição apresentou dois eixos curatoriais que se complementam, criando diálogos, intercessões e conexões com o público e a cidade.
Em seus dois eixos curatoriais, “Corpo e Performance no Acervo Videobrasil” e “Arte e Geopolítica no Acervo Videobrasil”, estão reunidos artistas do sul global, que compõem o acervo da instituição e que possuem significativa importância na construção da narrativa política e social, por meio do vídeo e performance.
O eixo, “Corpo e Performance no Acervo Videobrasil”, da exposição Reviravolta se apresentou na Galeria Homero Massena com seis principais programas, remontando de forma linear e temporal um série de produções artísticas que entre o período de 1980 até a contemporaneidade, evidenciam não somente a trajetória da performance no contexto Brasileiro, como as transformações desta arte efêmera em confluência com o vídeo e demais linguagens, mediante o desenvolvimento da tecnologia, dos suportes, e dos contextos sociais e culturais.
Na década de 80, as “Videocriaturas e Videomáscaras”, Otávio Donasci, abrem a exposição, trazendo esses trabalhos produzidos a partir de 1986, como as primeiras interações performáticas e ensaios, experimentando a nova tecnologia que chega ao Brasil e que se desvela como novo suporte possível. Os seres híbridos, que se davam a partir da performance. Onde o artista, sustentava sobre a sua cabeça monitores um processo de experimentação corporal, sinestésico, que trazia à tona a voracidade crescente da circulação de imagens e o papel da televisão na constituição do imaginário e da política brasileira. Nestas primeiras aparições a céu aberto havia a fusão entre a experimentação dessa nova linguagem com a necessidade de registrar a realização dessa arte efémera.
Em continuidade, a partir dos anos 1990, os artistas Walter Silveira e Leona de Barros, apresentam o trabalho Homenagem a George Segal, abrindo o segundo programa da exposição. Esta produção é primeiramente uma fotoperformance realizada em 1975, que amplia a experiência com o vídeo, incorporando outras linguagens como o design gráfico, a performance, a fotografia, a instalação de som e a construção de objetos, em forma conexão com a pop art, boby art e arte conceitual. Surgindo do caldo da Tropicália, da era dos happening e das dissidências neoconcretistas, experimentando a arte como carnalidade do mundo de Lygia Clark, Lygia Pape, e Hélio Oiticica.
A relação crítica com a imagem nesse momento está no contexto de hackear poeticamente o conceito das tecnologias de transmissão para enfrentamento das dominação das redes via satélite.
Neste momento temos a realização da performance Video Opera for Paik, dos artistas Steina Vasulka e Stephen Vitiello, que a partir da performance do coreano Nam June Paik, o pai da videoarte, que fundia a música e imagens ao vivo, apresenta uma ação, onde a violinista Steina Vasulka comanda as funções de um disc player com as cordas dos seus instrumentos. E a performance A Night with Mike, do artista Michael Smith, um homem comum que “acredita em tudo e não entende nada”. Uma crítica com sutil humor, à desenfreada cultura do consumo.
Fechando o bloco de performances deste programa que apresenta o recorde de trabalhos da década de 90, temos a apresentação da performance Bestiário masculino-femino, dos artistas Carlos Nader e Waly Salomão. Um happening orgiástico, que apresenta referências culturais estilhaçadas, com cenas de festas populares da TV. Espectadores vestiam máscaras, mulatas exibiam adereços carnavalescos e Salomão recitava poemas ao som de uma trilha original produzida e executada ao vivo pelo iugoslavo Suba, com os músicos Siba, Davi Moraes, João Parahyba e BiD.
A partir do ano 2000, são apresentadas as performances, Engrenagem (2005) de Eder Santos, Urgência Social (2005) de Marco Paulo Rolla, Coverman (2013) de Alexandre da Cunha e Reboot (2013) de Chelpa Ferro. A convite da curadoria do Videobrasil, a interação entre a produção de vídeo, performance e outras linguagens artísticas se ampliava. E neste contexto o público era convidado a interagir com os performances, fosse explorando a linguagem corporal, chamando a atenção para o outro, e propondo uma ruptura ao oferecer possibilidades de encontros e trocas com o artista.
Em Engrenagem, é criado ao vivo uma profusão de ações e acontecimentos, fundindo elementos gráficos e visuais com o gesto e a música, como potência cênica e visual de um ato performático. Processos comuns nos trabalhos do artista Eder Santos com a imagem eletrônica.
Na ação performática proposta por Marco Paulo Rolla, Urgência Social, se propõe uma série de acasos programados, por meio de mensagens disparadas para dispositivos móveis, onde incitava o público a tomar ação mediante o recebimento das mensagens. Fazendo uma alusão a Urgência Social, e a possibilidade do inesperado na rotina.
Apresentada originalmente no 13ª Festival (2001) da Associação Cultural Videobrasil, Coverman, do artista Alexandre da Cunha, faz alusão ao universo de Lygia Clarck, e explora a vulnerabilidade do corpo e a ideia de cura, apresentando um repertório de gestos de primeiros-socorros.
E fechando o bloco do programa a performance Reboot, uma apresentação ao vivo, que combina projeções de imagens, músicas, instrumentos, objetos e mídias. Produzindo algo não convencional.
No programa que se refere às produções de 2010, temos o conjunto de trabalhos Batendo Amalá (2013) de Ayrson Heráclito, Ponto de Fuga (2011) de Felipe Bittencourt, Art Idol (2011) de Aya Eliav e Ofir Feldman e #4 (Da série Corpo ruído - Estudo para um soterramento) (2011) de Paula Garcia. Neste momento, a performance é incorporada a cena institucional do mercado de arte. Torna-se uma potência no contexto do circuito global, acelerado. A novas consequências a presença física do corpo do artista, são estabelecidas conexões mais diretas, não mediadas, com o público. E a própria mercantilização e fetização da performance é ponto de partida para artistas.
Ayrson, em seu vídeo Batendo Amalá, evoca a ritualística cultural das religiosidades afro-brasileiras, apontando para o pensamento descolonial. Enquanto Filipe Bittencourt, em sua performance Ponto de Fuga, faz uma contundente crítica institucional, impondo um paralelo entre os limites do seu corpo com os limites institucionais e espaciais. Em sua ação performática o artista se propõe corre de encontro a um painel de espuma retangular fixado na parede, porém ao centro um vão circular recordado na espuma exibe a existência de uma rígida parede, onde o artista se choca de frente, permanecendo ali, até o fim de sua resistência física.
Art Idol, é um performance paródia do célebre reality show americano American Idol, simulando a final de uma programa que elegerá um talento em performance. Ao final o público e os júri, composto por críticos de arte reais, elegem o vencedor, tratando-se de uma alegoria interativa do sistema da arte, que critica suas similaridades com a indústria pop e questiona a relevância da performance no campo da arte.
E fechando esse ciclo de performances, o programa exibe #4 (Da série Corpo ruído - Estudo para um soterramento), um confronto entre sensações de peso e leveza. Objetos de uso cotidiano e resíduos metálicos são reunidos e justapostos pelos teto e paredes, fixados por ímãs de neodímio. A ação da artista torna-se uma proposição híbrida entre performance e instalação, uma experiência que coloca em xeque a ideia do corpo como uma substância estável, figurada de forma clara e direta. No contexto da cenografia na qual a artista se insere por meio de sua ação, transfigurando um espaço de propriedades físico-químicas de ímãs e de metais, a artista apresenta o corpo humano como um terreno de crise, instabilidade e transformação.
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