Guilherme Carvalho

04/2020View on timeline

HOMEM SUBINDO O MORRO

A fotografia foi feita em algum lugar de Cariacica, durante a volta de uma viagem de carro. Estava guardada no meu acervo de fotos do Lightroom, onde muitas outras estão. Usei minha câmera pra capturar o momento em que nos cruzávamos em velocidade. O homem sobe o morro correndo, em urgência, segurando sua sacola com marmita e usando uma máscara tradicional. A foto foi feita da janela do carro, uma janela alternativa por onde pude observar o mundo durante aquelas horas de viagem. Uma alternativa que demonstra a distância da minha realidade com o do outro. A urgência da subida do homem reflete a urgência do mundo em que vivemos hoje. Urgência de respostas, de produções, de sentidos e de imagens. Urgência que vive em mim, como fotógrafo que se encanta em retratar o agora, na rua, pessoas e o mundo. Um desejo muito maior do que o de buscar fotos guardadas em acervos, que foram feitas em outros momentos e outros contextos. Não posso me manter distante da rua, mesmo com a realidade pandêmica, porque a realidade do agora eu só posso viver e capturar no agora. E não vou conseguir isso visualizar o mundo pelo meu celular, pela minha janela ou da janela do carro. O homem que sobe o morro correndo, vive aquela realidade, assim como muitos outros, que não tem o privilégio de se manter distantes. O quanto a um indivíduo poético, em relação ao artista, o impedir de olhar para seu acervo com desejo dessa reciclagem e tomada de outros significados? Se o homem que sobe o morro não tem o privilégio de se manter afastado, por que o deveria ter do artista? Mas também sinto a angústia da limitação de poder compartilhar o que produzo somente em redes sociais. A foto não é de épocas mais distantes no passado. Ela é recente. Ela é simbolo do meu desejo em fotografar o agora, mas talvez retornar a essas fotos depois. É uma espécie de construção de um acervo futuro. Uma construção para um futuro retorno. Mesmo que compartilhadas agora, haverá um retorno a elas. Um retorno a realidade que não pude abandonar.