A relação do objeto artístico com o espaço

01/01/1801View on timeline

O espaço ocupado pelo ser humano é transformado por suas ações, sejam elas de interferência direta ou indireta. E ao transformar um espaço o indivíduo também ressignifica-o atribuindo-lhe outro sentido. Façamos um breve exercício. 

Pense em uma parede branca e avalie como se sente. Agora, imagine um quadro com uma bela pintura pendurada no centro dessa parede branca. Como você se sente? Muito provavelmente ao imergir nesse exercício você experimentou sentimentos diferentes. Isso acontece porque objetos e espaços estabelecem uma relação capaz de despertar diferentes sentimentos em nós e ao mesmo tempo se transformam gerando novos sentidos. Um trabalho de arte, por exemplo, é capaz de transformar o espaço museal.

Maman, Louise Bourgeois no Museu de Serralves , Crédito da Imagem: Ricardo Raminhos     

Ao observar a arte através da História e sua relação com os espaços físicos é possível identificar que as obras de arte vão pedindo respiro, necessitando de espaços cada vez mais “neutros” para que a obra consiga existir e estabelecer um diálogo com seu observador. 

De maneira geral, podemos dizer que uma pintura como representação do real e segue assim da Pré-História até o séc. XIX quando nasce a fotografia. Por muito tempo a relação da pintura com os espaços vai muito além da decoração, é uma expressão artística que contava histórias, registrava acontecimentos e figuras importantes, reproduzindo, assim, a realidade e tendo sido usada por diversas civilizações ao longo da história para retratar seu cotidiano, podemos usar como exemplo as pinturas rupestres, que em distintas partes do planeta, retratam o universo de povos pré-históricos, seus ritos, cenas de caça, entre outras questões. 

Através de um grande salto no tempo, podemos relacionar as pinturas rupestres aos graffitis realizados nas fachadas de grandes prédios. Esses desenhos não só interferem visualmente na paisagem urbana, mas também trazem novos significados, sendo capaz de despertar sentimentos e reflexões antes imagináveis nas pessoas que circulam diariamente pelas metrópoles. Veja a seguir o antes e depois: 

INSERIR FOTO

Com a escultura não é diferente. Se a pintura é capaz de despertar diferentes sentidos e sentimentos a partir da sua relação com espaço, a escultura segue no mesmo caminho. A partir da técnica de lascar e polir, em sua origem no período Paleolítico (2,6 milhões a 10 mil A.c), surge com a finalidade de representar animais, figuras humanas, objetos ritualísticos e utensílios cotidianos. A escultura se difunde como expressão artística ao longo da História, ganhando destaque durante o Renascimento com a estátua de David, esculpida por Michelangelo e famosa até os dias de hoje. 

Com 5,17m de altura, estatua de Michelangelo representa o herói bíblico David, com grande realismo anatômico e maestria para a época. A relação da obra com o espaço público se inicia já na inauguração da peça em 1504, quando foi instalada na entrada do Palazzo della Signoria (Florença). A exposição em espaço público geraria alguns danos à peça, por isso, em 1873 uma escultura foi movida para dentro da Galeria da Academia de Belas Artes de Florença, onde permanece até os dias de hoje.

Mesmo protegida pela instituição, a estátua foi alvo de um ataque em 1991, quando foi golpeada por um visitante, danificando parte dos pés e pernas da estátua. Desde sua inauguração, a escultura tem simbolizado a vitória contra a tirania. Por isso, na época em que foi inaugurada, a obra foi adotada como símbolo das liberdades civis que vigoravam na República de Florença. Interessante observar que, tanto no espaço externo quanto interno, a escultura desperta diferentes sensações entre os observadores. Desde sentimentos de identificação quanto de aversão. 

Uma escultura, para além de seu papel de representação de algo ou alguém, foi muito empregada como monumento, para simbolizar conquistas e render homenagens sendo símbolo de conquistas e homenagens. Existem em espaços públicos de diversas cidades ao alcance de locais locais, passantes e turistas, pessoas que não necessariamente visitam museus e galerias. Essa característica faz com que uma escultura, na forma de monumento, narre histórias e crie pertencimento a um determinado fato histórico ou figura pública, mesmo que nem sempre representado de forma democrática a sociedade local. 

Recentemente, em Minnesota, nos Estados Unidos , George Floyd, um homem negro de 40 anos foi sufocado até a morte por um branco policial que ajoelhou sobre seu pescoço sob uma justificativa de que o estava evitando um ataque nas imagens, Floyd reclama repetidamente: " Não consigo respirar". A morte de Floyd desencadearia uma onda de protestos contra o racismo, continua extremamente encarecida de atenção nos dias de hoje. Entre as ações dos protestos foi realizada uma derrubada de diversas estátuas que simbolizavam o passado imperialista do país, considerado desrespeitoso à história da população de ascendência africana. Estátuas de pessoas que representam figuras ligadas à escravidão e à Guerra Civil também foram depredadas.

O que pode ser observado nos protestos é o que uma escultura representa, o espaço que ela ocupava e o sentimento que ela despertava nas pessoas, principalmente nas pessoas negras que sofreram e ainda depurado com o racismo. Uma escultura, quando tornada monumento público, se converte em documento histórico, passa a representar algo que é sempre uma versão parcial dos fatos. 

A pintura e a escultura são apenas dois dos muitos exemplos de como a relação do objeto de arte com o espaço é capaz de construir e ressignificar sentidos para seus observadores. O importante aqui é compreender uma construção do espaço construído ou da arquitetura no processo de elaboração de sentido para a obra. Por isso, à medida que a arte se transforma, os espaços expositivos também são moldados.  Evoluindo da organização dos Gabinetes de Curiosidades, com inúmeros e diferentes objetos relacionados lado a lado; Passamos a

moderno, com sua atmosfera de suposta neutralidade e sem interferências na apresentação da obra, modelo utilizado até os dias de hoje; aos museus atuais, alguns dos quais têm ocupado as construções que não foram preenchidas com esse padrão.

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